segunda-feira, 27 de junho de 2011

O horror da beleza

     Era uma fábrica de cosméticos, evoluiu, tornou-se uma potência mundial, apenas vendendo beleza.
     Lá, naquela cidadezinha, foi onde a fábrica nasceu. Na cidade todos eram belos, impecáveis, ainda mais: intocáveis. Vaidade era palavra de ordem. Para onde se olhasse havia espelhos, maquiagens, pentes, escovas, roupas, enfim. Ninguém conversava, para que não estragassem a “beleza da boca”, apenas sorriam. Quase não andavam, pois tinham nojo do chão. E comer? Bem... Não comiam, alimentavam-se. Nada de gordura e carboidratos, apenas uma vez na semana, para manter-se vivo.
     Eram, praticamente, robôs da beleza, já não eram seres humanos, perderam toda a humanidade que podia haver dentro deles. O dinheiro que ganhavam era proveniente de comerciais gravados ali.
     E em doze de maio chegou um forasteiro, melhor: “O forasteiro”. Não tinha vaidade. Tinha pouquíssima beleza.
     Olhavam-no como olhavam para um monstro, não com o mesmo horror, ou espanto, mas com desprezo e reprovação.
     O primeiro dia foi inquietante, afinal, não conhecia a cidade, apenas por acaso foi parar lá. Não sabia o que dizer, até deu “bom dia” para alguns, mas estes retribuíam transformando o sorriso em um olhar de “quem é você?”.
     O segundo dia foi perturbador, sentiu-se como em outro planeta, onde não haveria humanos e ninguém falaria sua língua. Até tentou ligar para a mulher e dizê-la para não vir, pois já voltaria para junto de sua família. Mas o celular estava sem sinal.
     No terceiro dia o sol levantou sombrio, prometendo um péssimo dia, o cheiro do ar estava como o cheiro de cidade do faroeste. O olhar das pessoas fora substituído por um olhar de ódio. A sua mulher chegou com a filha. No caminho a pé até a casa, ela tentou ser simpática, não conseguiu com aqueles olhares odiosos.
     – Eles parecem uns zumbis.
     – Eu sei, tentei ligar para vocês, mas está sem sinal.
     – Pai, papai.
     – O quê?
     – Eles parecem não ter gostado da gente, eles me dão medo.
     – Tudo vai ficar bem, tudo.
     Dormiram.
     O quarto dia.
     O sol não raiou, acordou com o som de batidas nas portas.
     Ele foi olhar o que era, no caminho até a porta viu no relógio pendurado à parede que eram três da manhã. Olhou pela janela e viu, várias pessoas em frente sua casa, algumas tentavam derrubar a porta, as outras observavam, segurando facas.
     – Meu Deus – um suspiro de terror.
     Foi até o quarto.
     – Acorda amor.
     – O que é?
     – Acorda.
     – Mas ainda está madrugada.
     – Eles querem nos matar.
     Todo o terror que ele pôs na fala fora transmitido para o olhar da mulher.
     – Eles? Quem?
     – Os moradores desta cidade.
     Correram até o quarto da filha, e tiraram-na da cama.
     – Pai, mãe, o que é isso?
     – Calma. Tudo vai ficar bem, tudo.
     O som das batidas continuava.
     Esconderam-se dentro do enorme guarda- roupa que havia no sótão. Ouviram a porta cair no chão, então se encolheram e fizeram silêncio.
     Os passos eram firmes e vagarosos.
     Quando um deles entrou no sótão, o homem a mulher e a garota ficaram paralisadas, somente esperando aquele terror passar, mas não ia passar. Um dos moradores pôs fogo no sofá, e o fogo correu por toda casa, engolindo-a em uma velocidade horripilante. Nesse momento, restavam dentro da casa apenas a família e aquele que entrara no sótão, esse ardeu em chamas. A família então saiu do guarda-roupa e correu pelo labirinto de chamas a procura da saída. A única saída era uma janela, os três – em meio desespero – pularam, a mulher serviu de amortecedor na queda, ela morreu com o impacto e pressão, a garotinha quebrou a perna e o braço direitos, mas ele continuou intacto.
     Ao verem os moradores correram naquela direção. Ele levantou para correr, a filha segurou com a mão esquerda.
     – Papai, não me deixa aqui sozinha.
     – Desculpe filha, mas... Vai ficar tudo bem, tudo – correu.
     Enquanto alguns já desfaziam a menina em carne, outros corriam atrás dele.
     Continuou correndo, com o máximo de velocidade que podia, mas eles eram muitos e muito mais rápidos.
     – Por favor, não façam nada comigo, que mal fiz a vocês?
     Um arrancou seu olho esquerdo e comeu, outro cortou seu braço em três pedaços, comeu. Cortaram seus pés, suas orelhas. Ele continuava a gritar, quando puxaram sua língua e arrancaram-na, agora só gemia.
     A respiração ofegante continuava até mesmo sem metade do corpo.
     E um foi capaz de falar algo.
     Olhando profundamente nos olhos dele, com aqueles lindos olhos azuis, sussurrou serenamente:
     – Vai ficar tudo bem, tudo.
     

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