segunda-feira, 9 de julho de 2012

Três orgasmos - Capítulo I, Meus Escorpiões

          Hoje é sexta, amanhã: sábado, depois é domingo. Droga. Ainda não tenho programa para hoje, os amigos não ligaram, não se importaram, me esqueceram por hoje. Eles não precisam mais de mim, eu ainda preciso deles, vou buscá-los. Saio do escritório: "Boa noite", ninguém responde, ninguém me vê. O carro é velho, fede a cidade, fede a trabalho. Fede a trânsito, esse trânsito infernal. Que porra é essa? Passa por cima! Música não há, roubaram o tocador, mas tenho a sinfonia das buzinas - parece bebês chorando -, tenho este espetáculo em que todos cantam, atuam, dançam, gritam. O sinal está vermelho, verde, amarelo. Já não sei a cor, azul? As luzes, os bares, a sujeira, tudo me confunde.
          Os bares me chamam, os motéis me perguntam: Por que está sem acompanhante?, me oferecem uma. Uma boate, é aí que vou ficar. Tenho que estacionar, onde? Preciso me divertir, beber, sair de mim. Passo por ruas procurando vagas, passo por mulheres, preciso de uma. Estaciono meu olhar, paro, desço. O som é estridente, talvez me ensurdeça. A cor vermelha imita as chamas do inferno, a fumaça: as nuvens. Um beijo - há quanto tempo não sinto - me beija, outro beijo, outra língua, homem ou mulher. Não importa agora, meus amigos me largaram! Estou só, ninguém me vê, não existo sozinho, posso fazer o que quiser, o que não puder. Seios, pernas, mãos, estão todos unidos numa corrente elétrica de desgosto diabólico, nervoso.
          Eu grito, penso, ninguém escuta. Tento me escutar, é impossível. Então estou no banheiro, de frente para o espelho, com o cinto na mão - a fivela quebrou, alguém puxou -, saio com a calça molhada de mijo. Cansei do lugar, a bebida não presta, o cigarro fede a nada. Antes de sair me arrancam a calça, rasgam a blusa. Saio de cueca, a rua, os prédios e cortinas, janelas, carros, pessoas, mundo, sexo. Fujo para o carro, deito, tento dormir, só me falta alguém para morder-me a orelha, preciso dela. Geni, por que se foi, por que me deixou? Acho que estava grávida quando partiu, não tínhamos dinheiro para camisinha. A gasolina acaba no meio do caminho, desço, buzinam. E daí? Caminho pela calçada, um cachorro imundo, triste e doente, me dá boa-noite, pergunto se não é bom-dia.
          Continuo caminhando. Aqui é o apartamento de Geni, talvez esteja na cama com Carlos, não dormindo, claro, hoje é sexta. O porteiro me conhece, Geni não está, Carlos está?, Está sim, o senhor pode subir. A campainha quase não tem mais som. Ele está molhado, de toalha. O que você quer? Geni não está. Não quero falar com ela, quero falar com você, dizer como te odeio quando sinto tua existência, quero bater é em você, não em Geni, você tem dinheiro para as camisinhas, quero falar o quanto preciso dela de volta, o quanto morro a cada noite sem rir por ela, sem viver e morrer ao corpo dela, quero falar com você. Mas não falei nada, apenas virei as costas e fui para casa. Minha casa é longe, Geni sabe onde fica. Onde estaria Geni? O mesmo cachorro não responde quando pergunto as horas. E aí, cem reais e pode fazer o quiser, eu sei usar muito bem a língua, quer provar garanhão? Não, hoje não, segunda talvez. Hoje quero me estrangular junto de Geni, ou pelo menos alguém parecido.
          Um homem ou mulher, tanto faz, basta dizer que preciso possuir, sorrir e não ter dinheiro para comprar camisinhas, basta isso. Um assalto, faço de conta que não vi, um drogado - não olho nos olhos; um atropelado, não fechou os olhos. Um travesti: E aí, garotão, quer me possuir? É só sorrir, vem pra mim, que hoje eu não tenho dinheiro para camisinhas. Descubro que não era travesti, era apenas uma mulher, sem pênis, sem testículos. Ela só tinha uma voz grossa, nada mais, sorria como mulher, gemia como Geni, não cobrou, se foi. Como cheguei aqui em casa? Dormi.
           É domingo, o sol me queima os olhos, estou banhado de suor, minhas pernas estão enlameadas de esperma, o cigarro ainda jogado ao lado do cinzeiro. Três tiros ouvi, sirenes. O começo de um domingo. Não tem café, o leite azedou, o gás acabou, o ovo apodreceu. Preciso de um banho, não sai água do chuveiro ou da torneira. A campainha toca. Geni? Carlos me disse que você esteve lá, o que você queria? Puxo-a, abraço-a, ela me empurra. O que é isso? Você está louco? Geni, eu preciso de você, volta pra cá, vem, por favor, só mais uma vez, agora eu tenho dinheiro para as camisinhas. Você está fedendo, precisa de um banho. A água acabou. Ela pensa um pouco, Vamos lá pra casa então. Geni!, ela ainda me ama.
          O apartamento está vazio, Carlos tinha ido à academia. O banheiro é ali, tem toalha limpa lá. A água é fria, parece gelo, me limpo. Ela está na cozinha, preparando o almoço, vejo a marca da calcinha sob a calça. Abraço-a. Eu te trouxe só para tomar banho; tiro a toalha. Ela me dá um tapa, me oferece roupas do Carlos, visto-as. Onde está seu carro? Na oficina. Já em casa ligo a televisão, não há nada de bom. Anoitece, estou com fome, pego o dinheiro que Geni deixou, tranco a porta. Lá fora está quente, busco meus amigos, onde estão? Passo horas buscando-os, até me lembrar que não tenho amigos e ter que pagar essa mulher de trinta reais, deitada em minha cama, com a boca suja de mim.
          Acordo, é segunda, tenho que voltar a trabalhar, Geni me liga, me pergunta se a faxineira fez um bom serviço, repondo que sim, eu a usei como usava Geni. Hoje sai água do chuveiro, mas não tem xampu e o sabonete está pela metade. Vou para o trabalho a pé. Chego atrasado. Sou demitido. Vou atrás de Geni, ela não está. Durmo na rua, em frente ao prédio, espero-a, durmo para não acordar nunca mais.
          Sono sem sonhos.
          Acordo com o sol gritando, uma barata sobe pela minha mão, esmago-a. Ainda confuso vejo Geni saindo do prédio. Ela também me vê. O que você está fazendo aqui?, sorrio. Esperando você. Eu tinha mesmo que falar contigo, te arranjei um emprego melhor, toma. Ela joga um cartão, eu estava  sem óculos, não conseguia ler. Quando levantei a cabeça, ela já havia dado as costas. Fui para o meu apartamento.
          Cada vez mais podre, cada vez menos lugar. Pus os óculos, tirei as calças. Li o cartão, era o cartão de uma editora, não a conhecia. No outro dia estava fazendo a entrevista de emprego. Fui contratado, eu era o mais novo revisor. Pela primeira vez trabalharia com o que me formei. Meu novo emprego durou três horas, durou até eu ver o Carlos, era o editor, cuspi na cara dele e saí. Fui beber, me masturbar em um banheiro público, eu precisava comemorar.

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