segunda-feira, 23 de julho de 2012

Acidente pornográfico - Capítulo III, Meus escorpiões


           Mês de junho, mês do meu aniversário. Qual o dia? Sete talvez. Não, é amanhã. Será que vou ganhar algum presente? Talvez ninguém lembre, Geni sempre lembra – mas ela já deu seu presente. Provavelmente agora os amigos voltem, essa é a hora, o livro já está sendo editado. Vou voltar a ganhar dinheiro. Alô, Miguel? Ei, apareça por aqui amanhã, queremos festejar teu aniversário. Ele não esperou resposta, mas ao menos lembrou. O ponteiro parou, preciso comprar pilha para o relógio, não hoje, amanhã – já é tarde e eu preciso dormir, mas preciso também assistir a esse filme (há tempos que não assisto a filmes pornôs). Vânia Boner é maravilhosa! Durmo como nunca dormi antes: tranquilamente. Sonhos, mil sonhos, mil atrizes, mil livros, livros! Acordo, tenho que falar com Alleri. Hoje é dia de folga, Dantas Alleri não está; volto ao apartamento, ligo para Miguel. Nós estamos te esperando. Além de Miguel havia Davi e Carlos (outro Carlos) – senador federal e amigo de infância de Miguel. Aluguei um bar só para nós, e uma limusine. Nunca havia entrado em uma limusine. Conversamos e bebemos. Chegamos ao bar. Carlos descreve sua infância, a juventude, garotas com quem transou. Chegam as garotas. A música começa. Antes que Eliane – a loira de olhos verdes – termine o strip-teaser, Carlos já está com o pênis de fora e ela o masturba; Davi diz que precisa sair e vai embora; Miguel se agarra a uma morena.  Eu me viro para a garçonete: Me vê outro drinque, por favor. É você quem está fazendo aniversário hoje? Sim, prazer. Muito prazer. Ela tira o sutiã e esfrega os mamilos em meu rosto. Não me excito, ela passa as mãos por minha calça, abre o zíper. Não, por favor. Ela olha profundamente no fundo de meus olhos, franze o cenho. Eu estou sem camisinhas. Eu tenho camisinhas, espera. Você ainda não entendeu? Ela veste o sutiã. Me dá mais um drinque. Eu não sei se a culpada era Geni, não parava de pensar nela. No chão, todo mundo pro chão! Vai, porra! Pensei que fosse polícia, eram bandidos, só um estava com a cara exposta, não contei quantos eram – uns seis. Antes que eu pudesse pensar em mais alguma coisa, eles cobriram minha cara. Fiquem caladas, vamos levar só eles! Calem a boca! Fui arrastado, levado pelo braço. Miguel? Carlos? Ninguém respondeu. Faz esse filho da puta calar a boca, senti uma coronhada: desmaiei. Calma, amor, foi tudo só um sonho, só mais um sonho, eu estou aqui – era o sorriso de Geni. Você está bem, pode ficar calmo. Eu sorri – ela gritou – Acorda, porra!
            A água era fria: Quem é tu? Eu não sou nada. Acha que eu estou brincando, irmão? Cara, eu não tenho nada. Tu é amigo do Carlos, deve ser tão rico quanto ele. Fiquei paralisado, os olhos dele eram coloridos, profundos e apaixonantes. Qual seu nome, garoto ? Fala sério, irmão, eu não estou brincando não, irmão! Ele me deu um soco na cara, senti o sangue escorrer do meu nariz. Tu vai ligar pra alguém que conhece e dizer que foi seqüestrado, estendeu a mão com o meu celular. Eu estou te dizendo: “Não sou nada, nunca serei nada, não posso querer ser nada”. Qual é? Deu pra fazer poesia agora? Eu sou poeta, não conheço ninguém, não conheço nem a mim mesmo. Eu sou poeta. Cobriu meu rosto novamente, desmaiei com o soco. Estava à beira de uma rodovia quando acordei, era noite. Um carro passa, dou sinal, não para. Caminho em qualquer direção. Estou com fome, o rosto dói. Quase amanhece agora, vejo um posto alguns quilômetros à frente, tento correr, tropeço, continuo, caio, não consigo me levantar, rastejo alguns duzentos metros, meu braço está arranhado. Levanto-me e vou caminhando (tropeçando). Não há ninguém no posto, há um orelhão que não presta. Sento num canto sujo, um cachorro late. Chega uma caminhonete velha. Um homem sai e me joga uma moeda. Eu não quero dinheiro, não sou mendigo, quero ajuda, fui seqüestrado, eles levaram meu celular. Quando levanto a cabeça vejo um homem de barba e cabelo brancos. Meu Deus, você está péssimo! Me dá a mão, vou te ajudar. Sento no banco de passageiro, todo o carro fede à bosta de gado. Durmo por um instante. Lúcia! Eu trouxe um amigo, ele precisa de ajuda, está ferido. Não consigo abrir os olhos. Vamos lá, amigo. Me apoio no braço do fazendeiro para sair do carro.
            Estou numa cama. Bom dia, amigo, você está melhor? Sim, obrigado pela ajuda. Essa é minha família: minha mulher, Lúcia e minha filha, Maria. Prazer, moço. Prazer, Maria. Ela sorri de um jeito como nunca vi. Já de noite ele recebe um telefonema. Alô, Carlos, filho? Maria estava ao meu lado. Você tem um irmão? Sim, mas ele não mora conosco, é casado, mora na cidade grande. Qual o nome da esposa? Geni. Geni! Eu preciso voltar. Ele desliga o telefone, me levanto. Moço, você tem que ficar deitado. Ei, onde você vai? Eu já estou bem, posso seguir meu caminho. Não, eu deixo você em casa. Não precisa. Eu insisto. Me leve até a rodoviária então, não quero lhe dar muito trabalho.Vamos em silêncio, para melhor ouvir o solo do motor. Não me despedi de Maria, a tão linda Maria. Chegamos na rodoviária. Tome, ele me estende vinte reais. Não, eu não posso aceitar. Você tem que aceitar, precisa comer. Pego o dinheiro e saio sem agradecer. Tchau. Até mais, se cuide, rapaz. Preciso voltar para casa, mas como? Cadê meu celular? Merda! Vou ter de caminhar, passo por um restaurante: A TV ligada [ O senador Carlos continua desaparecido, a polícia diz encontrar indícios de um seqüestro]. Já são quase seis da noite e ainda não comi nada, compro três salgados e os devoro como um animal louco. Agora são sete e meia, falta pouco para chegar em casa, mas preciso descansar, não consigo continuar. Durmo no banco da praça, imundo de bundas. Acordo e ainda é escuro, continuo o caminho sem titubear até chegar ao apartamento, ouço o som de sexo no apartamento do vizinho da direita e choro de criança no da esquerda – são as conseqüências. No chão há um bilhete de Geni: Parabéns, te amo como só nós sabemos amar. E sua assinatura. Ela lembrou. Preciso passar na editora, antes vou tomar um banho. O apartamento fede ainda ao mesmo cheiro – gosto disso, sei que não estou sonhando. Me barbeio e o espelho rachado mostra um rosto com um roxo ocular esquerdo e dois arranhões próximos ao nariz. Não há água, não paguei a conta. Há perfume, serve. Saio. Ainda tenho dez reais, com os meus últimos noventa reais pago o aluguel do apartamento. Alleri, me escuta! Você está querendo me dizer que foi sequestrado com o senador e quer que eu acredite? Sim e eles levaram meu celular e os cinco reais que tinha, você é a única pessoa que conheço e pode me ajudar. Mas antes você precisa dar um depoimento na delegacia, certo? Sim, claro.
            Tudo resolvido, só me resta ver Geni. O velho porteiro me olha com desprezo e tristeza: Não senhor, Geni não está aqui, ela está no hospital, junto com seu Carlos. O quê? O quê aconteceu? Foi um acidente de carro. E quando isso aconteceu? Ontem, senhor. Qual o hospital em que ela está? É só o senhor andar dois quarteirões à direita. Obrigado. A secretária tem grandes silicones, é loira, Botox:  Com licença, você pode me dizer onde está Geni? Geni Buarque, sim. Ela não está recebendo visitas. Carlos me vê, tento disfarçar. O que está fazendo aqui? Preciso ver Geni, como ela está. Você não pode entrar. Eu sei. Sento. Penso em chorar, mas só consigo encarar e odiar Carlos. Passam três horas como se fosse um dia. Eu pergunto: Como vocês se conheceram? Do que importa? Eu só quero saber. Isso não te interessa. Interessa sim. Não, você não precisa saber. Como foi o acidente? Eu não sei bem, eu estava trabalhando, ela havia ido ao shopping e na volta... O médico se aproxima: Ela precisa de sangue, está com uma hemorragia interna. Eu posso doar, tenho o mesmo tipo sanguíneo dela. Carlos me encara, como se meu sangue não pudesse misturar-se ao dela. Ela fraturou a perna e o braço direitos. Mas não precisa se preocupar com o bebê, está tudo bem com o feto. Bebê? Sim, seu filho, ela está grávida de três meses ao que parece. Eu sou pai? Como assim? Uma raiva tremenda me subiu pelo corpo, a vontade era de espancá-lo até que cuspisse todo o sangue. A cara dele não era agradável, não guardava uma expressão de alegria ou algo do tipo, parecia confuso com uma expressão de estranhamento e surpresa, sem resquício de amor paternal. Talvez nem ele soubesse, uma lágrima me escorreu pelo rosto sem querer, minha barriga roncava, olhei para os lados procurando algo para me segurar ou para bater na cabeça de Carlos. Me sentei, sem força nas pernas. Falei involuntariamente: Você tem certeza, doutor? Sim, certeza absoluta. Os olhos de Carlos continuavam estáticos: Mas, doutor, eu não posso ter filhos.

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