terça-feira, 28 de junho de 2011

Áquario de letras

Estou aqui para escrever
Não consigo ter criatividade
Talvez: “só penso em você”
Não, besteira, não é verdade

Tento pôr algo nesses versos
Mas não penso em nada
História com mil universos
Apenas letras para piada

Sentado na beira da cama
Escrevo e vejo um programa
Procuro poesia, só consigo rima
Pode ser falta de vitamina

Não sirvo para o que leio
Apenas sirvo para o que escrevo
Acordado eu não cresço
Isso que faço está feio

Se não quero rimar, por que rimo?
É tudo tão estranho, tão confuso
Tudo é divino, divino o destino
Tudo tão necessário
Necessário seguir seu curso

Nesse aquário de vocabulário
Me sinto solitário no cenário
Este caso milenário
Só pode ser resolvido por um literário 

A espera de uma vida

     Ele esperava ansioso, estava sentado, roendo as unhas, estava suando frio, seu rosto estava encharcado de suor, sua ansiedade era tanta que ele que se levantar e ficou andando de um lado para. O lugar onde ele estava não era uma sala, era um hospital. “Será que ela vai ficar normal”, pensava o homem, “Tomara que tudo ocorra bem”.
     – Senhor se acalme, tudo vai ficar bem – uma mulher tentava acalmar o homem – Tome um copo d’água – a mulher com uma mão segurava o copo, com a outra o abraçava a suas costas tentando acalmá-lo, ele segurou o copo com as duas mãos e tomou a água em um gole só. Pareceu que a água apenas fez com que ele suasse mais.
     – Você acha que ela vai ficar bem?
     – É claro que vai, acalme-se.
     – E ele, você acha que vai ficar normal.
     – Mas é claro que vai.
     Era ansiedade demais para um homem só. Ele já não agüentava mais, então desmaiou nos braços da mulher.
     – Senhor, senhor. Acorde – a mulher usou uma almofada do sofá para abaná-lo, numa tentativa de acordá-lo, jogou um pouco de água em seu rosto, mas ele sequer se moveu, permaneceu imóvel, deitado sobre os braços da mulher.
     Quando o homem acordou estava deitado em um sofá e na sua frente havia uma médica.
     – Doutora. Como ela está?
     – Está ótima.
     – E o meu filho?
     – É um garoto lindo e saudável.
     O homem levantou-se do sofá e deu um forte abraço na médica em seguida abraçou a mulher que estava ao lado.
     – Eu sou pai! – gritou o homem levantando os braços – Eu posso vê-lo doutora? É claro.
     O homem correu para uma sala onde entrou e sua esposa estava deitada em uma cama, segurando um bebê.    
     –Veja meu amor, ele é lindo. – a mulher aproximou o bebê aos braços do homem que o segurou e o beijou na testa.
     – Meu filho. Qual o nome que você escolheu para ele.
     – Lucas. – falou a mulher levando as mãos ao rosto.
     – Lindo nome.
     

Sol no mar

Amo-te tanto, querida Yasmin
Tanto amor,tanta paixão assim
Nunca imaginei amar tanto alguém
Amar o que os olhos vêem
Tanto que parece ser pecado
De você encho meu coração
E Amim mesmo, já apaixonado
Vou pedir perdão
Teus olhos estão em minha mente
Tanto te quero, daria tudo a ti
Contaria aquilo tudo o que vi
Mas não me queres, mesmo que eu tente
Sempre, isso será um tormento
Já não tenho nada
Só o desejo de você
Nunca esquecer esse momento
Tenha certeza: sempre será amada
Jamais vou esquecer
Só vou amar, amar e amar
Apaixonadamente

O homem que se chamava Obrigado

     Ele era filho de Maria, que havia se casado com João, que a deixou quando soube que ela estava grávida, mas não havia motivos até por quê se ele casou-se com ela, era por quê ele queria ter uma vida junto a ela, terem filhos e viverem “felizes para sempre”. Mas não foi isso que aconteceu.Ele a deixou sozinha no mundo. Dizem que já tinha caso com uma tal de Tereza, e quando soube da existência de um filho, fugiu com ela.
     O garoto sem pai chamava-se Obrigado, isso mesmo Obrigado. Não se sabe o porquê da mãe por o nome de um filho de Obrigado, talvez fosse para que o filho nunca se esquecesse de ser gentil e educado, para que sempre agradecesse a um favor. Até por quê o pai não era nem um pouco educado, se fosse não teria deixado a mulher sozinha no mundo com seu filho.
     Ele sempre era muito discriminado na escola pelos amigos por causa do nome, eles sempre agradeciam falando muito alto, como se estivessem chamando-o, e ele sempre atendia o chamado, em vão, mas mesmo assim ele gostava de seus amigos ficarem chamando-o o tempo todo. Ele achava legal ficar escutando seu nome em tudo que era canto daquela cidadezinha de interior.
     Obrigado cresceu. Sua mãe sempre quis que ele fizesse faculdade, apesar de que o sonho de Obrigado era ser dono de um bar.Mas mesmo assim, Obrigado fez faculdade, e como não havia universidade em sua cidade natal, ele viajou para capital, que era cidade grande, para poder fazer a sua faculdade. Na capital, como era cidade grande, todas as pessoas não se conheciam, e não eram tão educadas como na cidadezinha do interior, por isso eram raras as vezes que se escutava a pessoas dizerem seu nome. Mas foi lá onde ele conheceu uma mulher, pela qual ele se apaixonou.
     Ao acabar a sua faculdade, Obrigado voltou a sua cidade natal, e foi lá onde se casou com Comlicença, a mulher que havia conhecido na capital. E foi por lá que ele continuou vivendo sua vida com sua mulher, ganhava a vida como dono de um barzinho. Ele às vezes esquecia-se de que seu nome era Obrigado.As pessoas o chamavam: “Obrigado!”, e ele respondia: “Não há de que”.
     O casal “educado” , como era chamado na cidade, teve um filho, como não podia ser diferente, deram-lhe o nome de Por favor. As pessoas ao passarem pela família falavam: “Com Licença, por favor, Obrigado”.
     Obrigado continua vivendo na cidadezinha com sua mulher e seu filho, cuidando do barzinho que cresceu, virou bar restaurante. E vive com o sorriso na cara, feliz da vida, até mesmo na hora das dificuldades.
     E é essa a história da vida do Homem que se chamava Obrigado.         

Ela, Gabriela

Quando conheci Ana
Ela era linda demais
Parecia feita de porcelana
Até eu conhecer Joana
Que me fez sonhar
Ela me fez voar
Tão mais bela que Ana
Mas depois veio Tereza
Que era muito mais
Dona de extrema beleza
O tempo passou, veio Maria
Amei só por um dia
Depois ela se foi e me deixou
Conheci a querida Vanessa
Uma esbelta burguesa
Que ao saber de minha pobreza
Se foi e eu fiquei sofrendo
Fiquei sozinho, morrendo
Até descobri o verdadeiro amor
Com a extrovertida Gabriela
Era única, e somente ela
Tinha aquele calor
Só seus olhos tinham aquela cor
Com ela descobri amor de verdade
Mas depois fiquei apenas com saudade
Quando tive de ir embora
E conhecer muitas outras
Mas nenhuma igual a ela
Nem Berenice ou Eneida
Ou outras Terezas, outras Vanessas
Muitas Anas e Joanas
Mas nenhuma Gabriela
Igual a ela  

O admirador do sol

Todos os dias, Pedro ia para algum lugar ver – aliás, admirar – o pôr-do-sol, às vezes ele ia para o campo, para a praia, para a serra, fosse qual fosse o lugar, o importante era admirar o sol. E após ele voltar para a casa, escrevia páginas e páginas de louvor ao sol. Ele amava o sol, e o sol também parecia amá-lo.
Ana amava Pedro, sempre indo atrás dele, ela era linda, educada, um amor de pessoa, mas Pedro nunca percebeu isso, pois ele não via nada além do sol, achava que o amor de Ana era apenas amizade. Ela sabia que o amor de Pedro era o sol, fazia de tudo para ocupar o lugar do sol no coração dele. Ana sempre tentava ficar ao seu lado de dia, mas de dia ele estava admirando o sol, então devia ser de noite, mas de noite Pedro estava escrevendo sem parar, ele estava sempre ocupado com o sol, sete dias por semana e vinte e quatro horas por dia.
Ao perceber o amor de Ana, Pedro viu que o amor que ele sentia por ela era maior que o amor que sentia pelo sol.
    
O sol esperou o dia todo, mas ele não chegou Pedro havia esquecido do sol, seu amor era outro.
O sol a cada dia estava mais fraco, a cada dia sua luz diminuía e o seu calor também. Houve um dia que o sol, de tamanha depressão, não apareceu, e a lua teve de trabalhar o dia inteiro, no caso, a noite inteira.
No dia seguinte o sol voltou a brilhar, mais reluzente do que nunca. O sol havia arranjado um novo admirador. E Pedro havia arranjando uma nova admiração.
           

Descobri tudo (o plano)

Sendo impossível viver
Neste estado irreversível
Ainda sem saber
Choro e grito
Descubro o mito:
Minha vida é uma piada
Sem graça, muito errada

O super-herói

Todos os dias ele acordava cedo e ia trabalhar – era oficial do exército. Tinha pouco tempo com sua mulher. Afinal trabalhava sete horas por dia e durante seis horas por dia ele era o “guerreiro urbano” que protegia a cidade dos bandidos, mas ninguém sabia qual era sua verdadeira identidade. Todos sabiam que ele era humano até porquê ele fazia tudo com as próprias mãos, não usava armas, nem tinha super poderes.
     A cidade – antes dele – era um caos. A cidade tinha três milhões de habitantes, desses, dois milhões e meio eram viciados em droga e todos os dias morriam duzentos e cinco pessoas, ou de overdose ou assassinadas. Mas eis que surge do nada um herói, que diminui o número de dois milhões e meio de drogados para quinhentos, e o número de duzentos e cinco pessoas mortas por dia, cai para cinco.
     Todos adoravam esse tal de guerreiro urbano. Todos os dias ele era a primeira capa do jornal, havia blusas, bonecos, fantasias, revistas baseadas nesse super-herói, ele era um sucesso, era conhecido em todo país, empresas queriam contratá-lo para ser o seu garoto propaganda, mas nesse caso com quem os empresários deviam fechar o contrato?
     A cidade que antes estava em ruínas, hoje parecia uma utopia, o paraíso. Havia um problema: estava havendo superlotação nas cadeias, logo esse problema foi resolvido com construção de novos presídios.
     Surgiram outros problemas. Como em todo lugar, onde há um herói, há um vilão. E foi o que aconteceu. Vilões começaram a surgir numa tentativa de tomar o lugar do grande herói e mostrar para todos que ele não era indestrutível.
     Agora ele não tinha mais tempo para salvar a cidade, apenas para salvar a própria pele, sempre fugindo dos vilões.
     Ele tentou se aposentar, mas todos já sabiam qual a sua verdadeira identidade.
     As pessoas viram que os vilões eram melhores que o herói e passaram a torcer pelos vilões, agora toda a cidade estava contra o herói, que agora era visto como vilão pela população. Todos queriam matá-lo, então ele teve que tomar decisões drásticas para problemas catastróficos. Ele passou a usar armas para destruir os vilões e toda a cidade estava contra o herói.Todos que o viam queriam matá-lo, e ele revidava.
     Havia começado uma guerra civil que se alastrou pelo país, a grande maioria da população queria matá-lo, mas havia uma pequena parte que estava seu favor. As pessoas estavam se matando por culpa de um homem que queria salvar uma cidade do caos e logo todo o país estava contaminado pelo caos.
     Ele tentou salvar o que estava em ruínas, mas acabou piorando o que já estava ruim.
     Com pouco tempo apareceu um grupo de heróis que queria salvar o país, e a história se repetiu. Dessa vez era todo o mundo que estava em caos.              

Amor intenso, incontrolável, amor do universo

Mãe, sou capaz de amar-te
mais que tudo, mais que possível
de ver em você além do visível
tu que me guarda neste amor maternal
que me ajuda até todo o final
                                             
É capaz de amor,
até mesmo onde não há amor
sabes tirar a dor
no frio trazer calor

Por isso questiono-me:
“como fui capaz de duvidar”
pois sei que sempre amará

Eu faço do mundo você
pois, sou só um fruto
do amor
             [todo tipo de amor
se não fosses, eu não seria
eu não viveria
ainda mais: não escreveria

Pois fostes você quem me ensinou
você quem me educou
fez-me ser quem sou

Ambos, mãe e pai
são o resumo de tudo
de todo o universo

Se hoje sinto frio
foram vocês

Se hoje sinto e escrevo
foram vocês

Se hoje penso
foram vocês

Se ouço, ando, faço, amo
falo, corro, canto, sinto
foram vocês
foi você, pai
você, mãe

“A que sou grato a vocês?”
a tudo, simplesmente tudo
pois sou vocês

Vocês me criaram, aguentaram-me
salvaram-me.

Ainda semearei

E se semeio,
é pois vocês semearam

Mãe, esta a palavra
resumo de tudo
ponho tudo em duas únicas palavras:
Mãe, pai

O universo é isso,
para quê, procurar explicações?
Está tudo aí.

O que os cientistas já deveriam ter descoberto:
o universo se explica somente pelo pai e a mãe
não apenas isso, tudo isso

Vocês são tudo isso, tudo

O universo, as estrelas, o sol
este verso, estas letras, o futebol
a galáxia, a lua, a música
a terra, o mundo
tudo

Tudo

Simplesmente tudo
Simplesmente mãe e pai

O mato

     O homem tinha um enorme terreno, onde ele queria cultivar um jardim. Comprou uma mudinha, a primeira de muitas, que ele desejava comprar para poder montar um jardim. Plantou essa mudinha bem no centro do terreno.
     No dia seguinte, o homem quando acordara fora olhar como estava a mudinha, ela havia crescido consideravelmente e outras plantinhas brotavam ao redor da muda.
     No final do dia, quando o homem chegara, vira que a muda havia crescido mais, e havia mais plantas ao redor dela. Quando fora aguar, a muda fez um movimento independente e crescera instantaneamente, e a expressão do homem foi de surpresa.
     “Mas... o que é isso?”, foi o que ele disse ao ver que a mudinha, que há dois dias atrás tinha cerca de sete centímetros, estava com mais de trinta centímetros. Era assustador a velocidade com que aquela muda crescia e que as plantas ao redor aumentavam de tamanho e de quantidade.
     Haviam passados dois dias e o homem apenas assistia ao crescimento das plantas, nada fazia. Ele até tentou, quando a muda já tinha mais de dois metros ele decidiu cortá-la para ver se as plantas ao redor também iriam morrer, mas dois dias após a muda estava do mesmo tamanho, e as plantas ao redor haviam aumentado de quantidade, tinham tomado todo o terreno. Estava um verdadeiro matagal.
     “Pior não pode ficar”.
     O homem estava totalmente errado, o mato continuou a crescer de altura, já havia ultrapassado a altura do muro de cinco metros e estava tomando conta de toda a casa. Ao ver até onde a situação havia chegado, ele pegou um facão e tentou cortar uma das plantas, mas foi inútil, o caule daquelas plantas pareciam ser feitos de ferro, era impossível cortá-los, por mais que tentasse, o homem não conseguiu sequer fazer um arranhão na planta. Ele, ainda com o mesmo facão, foi para o centro do terreno, para a planta que começou tudo, e inúmeras vezes tentou cortar o caule, conseguiu apenas fazer pequenos arranhões. A expressão do homem já não foi de surpresa, e sim de raiva.
     Ele já não podia fazer mais nada, então ligou para uma casa de semente, onde conseguiu um técnico.
     “Que planta é essa?”, perguntou o homem.
     “Eu não sei, nunca vi algo parecido” retrucou o técnico.
     “Como assim nunca viu algo parecido?”.
     “O senhor já tentou cortá-la alguma vez?”.   
    “Impossível”.
     O técnico retirou da bolsa uma tesoura especial para cortar caules fortes. Por mais força que fizesse não conseguia cortá-la.
     “Há quanto tempo essas plantas começaram a aparecer?”.
     “Não há muito tempo, há nove dias”.
     “Como?”.
     “Nove dias, desde que comprei uma mudinha, aquela” ele apontou para a mais alta das plantas.
     “Eu não conheço nenhuma espécie de vegetal que teria capacidade de se reproduzir desse jeito em tão pouco tempo”, o técnico se virou com uma cara de fracasso e falou, “Me desculpe senhor, mas eu não posso fazer nada pelo senhor”, ele devolveu o dinheiro que o homem já havia pago.
     “Então... Obrigado”, disse ele, mas o técnico não olhou para trás, apenas saiu com o fracasso estampado no rosto.
     O jeito seria que o homem tomasse uma providência logo, pois já não aquentava os vizinhos, que viviam aperreando, para que desse um jeito, pois o mato também já tomava conta das casas vizinhas. Ele então pegou uma pá e foi até a planta “rainha” e cavou, cavou e cavou, até a raiz da planta, puxou e tentou cortar com o facão, mas a raiz parecia ainda mais forte que o caule.
     O homem já muito cansado tentou sair dali, apenas tentou, pois não conseguiu, não encontrou saída, já estava sem volta. Ele por um tempo ficou desesperado, apenas por um tempo, pois depois já não tinha forças para se agüentar em pé, então deitou e adormeceu no meio daquele mato.
     Após acordar, as plantas já estavam com cerca de cinco metros e o homem viu que das plantas brotava um fruto, lindo, brilhoso, grande, vermelho e a primeira vista suculento, ele não resistiu, subiu na planta e pegou o fruto e viu que realmente era tão suculento quanto pensava, nunca havia provado algo tão delicioso. Ele também descobriu que cada planta possuía a sua bolsa d’água, e dali que ele bebeu a água e saciou sua sede e sua fome, a água era pura e tinha um sabor esplêndido. Havia também insetos enormes e estranhos, mas não faziam mal algum a homem, mesmo quando ele ameaçava atacar.Ele estava vivendo no paraíso, com tudo que aquelas plantas lhe ofereciam, dava muito bem para que sobrevivesse por décadas.
     As plantas continuaram a se alastrar pelos cantos da casa do homem, as casas vizinhas também foram tomadas pelas plantas, que com pouco tempo já tomavam conta de todo bairro, e as plantas continuaram a se espalhar por toda a cidade. O governo tomava várias providências, mas nada impedia a devastação daquelas plantas, foram postas cercas de ferro, usadas grandes quantidades de venenos, o governo tentou até mesmo queimar toda a área, mas nada resolvia o problema. Os habitantes da cidade mudaram-se para outras cidades vizinhas. A única pessoa que ainda permaneceu na cidade foi o homem que começou tudo isso.
     As pessoas não sabiam que estavam fugindo do paraíso.
     Mas o homem sabia que estava muito bem ali, pois não há nada melhor do que o paraíso. A jornada daquele homem naquele extraordinário lugar estava apenas começando.

Sob o luar, teu olhar

Sob o luar
eu posso ver-te

Imerso em teu olhar
eu sinto o amor
sinto a paixão ardente
rasgar em meu coração

Sigo, intenso, essa cor
aqui, assim tão rente
na noite fria, está tão quente
viajo em teus olhos
azuis

Quando nossos olhares encontram-se
em cruz
vejo o céu, lindo, azul

E amo-te mais por saber
que além de você
posso olhar teu olhar
apreciar o azul dos olhos
dormir na piscina azul
ver em teus olhos meus olhos
em um corpo nu

Um conselho que dou a você

Um conselho que dou a você: NÃO SIGA MUITOS CONSELHOS. Simplesmente não siga muitos conselhos.
     Conselhos são ferramentas que outros nos dispõem, mas nem sempre são ao nosso favor. Por esse motivo deve-se saber quais conselhos (ferramentas) guardar (para após usar) e quais descartar (para não prejudicar).
     Se fossemos seguir todos os conselhos, não seguiríamos nenhum deles. E quando segue conselhos é difícil ser feliz. Não necessite de conselhos, tenha seu próprio pensamento, sua própria linha de raciocínio. Crie a sua filosofia, utilizando-se, é claro, com fragmentos de outras filosofias. Mas não siga muitos conselhos.
     Eu acabei pirando por seguir todos os conselhos que me davam, até perceber que nenhum adiantaria se não tivesse os meus próprios conselhos. A verdade é essa: não devemos escutar os outros, você deve escutar a si próprio, e não a opinião dos outros.
     Se você tem um sonho – não escute ninguém – siga esse sonho, mas repito: às vezes tem que escutar os conselhos, pois nem sempre estamos certos; e esse sonho o qual queiramos alcançar, seja talvez apenas uma ilusão.

Mina Sul

Nas minas, escavadores escavam
Encontram, tentam e procuram
Mas nunca encontram
O que deveriam encontrar

Encontram terra, encontram ar
Encontram morte
Rezam para a sorte
Procuram e escavam

Mas mineradores nunca encontram
Nas minas não há o que devia haver
Olham, mas não conseguem ver
Perdem-se, e morrem
São presos sob a terra

Vivem escavando
Vivem andando
Mas o que procuram não está ali
Ali só há eles, só tem terra e sujeira

Procuram, mas não vão encontrar
Pois tudo que havia pra se esgotar
Um dia, há pouco tempo, esgotou
Só o horror ali restou

Mas ainda trabalham
Pois são os últimos que morrem
Mas um dia, sempre morrem

Trabalham para os homens
Que tentam plantar o dinheiro
Pois isso é o único verde
Que se pode ver

Mas ainda há esperança,
Ela é a última que morre
Mas sempre morre

Mas ainda há esperança
De o céu voltar a ser azul
De o mar deixar de ser preto
De árvores aparecerem no sul

É por isso que rezamos o credo
Rezamos todo dia, o dia todo
Sempre rezando, pedindo
Andando, falando e conversando
Humanos pedem para uma força maior
Para tudo voltar a ser como era antes
Para poder escutar-se aquele mesmo dó

Andamos armados, despreparados
Queremos ver tudo de novo
Mas não há nada novo
Só há mineradores
Escondendo suas dores

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Yellow submarine

O trem subia pela montanha, em trilhos que a rodeavam em espiral.
Naquele vagão do trem havia cinco pessoas, apenas uma acordada, ao lado do filho, o único garoto ali. O homem acordado lia um livro.
Além do som dos trilhos, uma música dos Beatles entoava o ar.
O garoto que dormia, aparentava ter dez ou onze anos. Dormia tão profundamente que parecia estar morto, até mesmo sua respiração era vagarosa. Sua cabeleira loura refletindo a luz do sol – que entrava pela janela, já um pouco empoeirada – causava contraste com seu pijama azul. Sua boca que permanecia fechada durante todo o sono, abriu-se, e nesse momento ele acordou.
– Bom dia Jake.
– Bom dia pai – esfregou o olho direito com a mão direita – pai, nós estamos perto de chegar?
– Estamos filho, muito perto.
– Todos os dias o senhor me diz isso.
– Você quer um café?
– A mamãe estará lá, quando chegarmos?
– Estará. Tome o café agora, e vá trocar de roupa.
Levantou do assento e foi ao banheiro, ao voltar ele continuou a conversa com o pai.
– Eu estou cansado de esperar.
– É, eu também.
– Por que ainda não chegamos, há nove anos estamos neste trem.
– Você já escovou os dentes?
– Já.
A música parou por instante.
– Pai, eu não sei quanto mais tempo sou capaz de esperar.
– O tempo suficiente.
A música retornou a tocar.
– Todos os dias, a mesma coisa. A mesma música há nove anos.
– Eu sei.
– Você lê o mesmo livro há nove anos.
– Pois é.
– Você está me escutando?
– Estou.
– Como você agüenta?
– Do mesmo modo que você.
O garoto fixou o olhar na janela.
– Esta montanha é tão grande assim, ao ponto de ser necessário mais de nove anos para chegar ao topo?
– Sim, é muito, muito grande.
– E quando nós iremos chegar ao topo?
– Em breve, muito em breve.
– Mas a mamãe ainda espera?
– Ansiosamente.
– Há nove anos ela espera?
– Há nove anos.
Ele virou a cabeça em direção ao pai. E olhou-o com um olhar vagaroso e piedoso.
– Pai, mas por que ela não está com a gente?
O pai retribuiu o olhar, não falou nada e continuou a leitura.
– Pai, por que ela não está com a gente?
Nada falou, continuou a leitura.
Há dez anos eu nasci, por que ela subiu a montanha sozinha?
Ela poderia ter nos esperado, não há motivos para ela ter subido sozinha. Qual a mãe que acaba de ter um filho e deixa-o sozinho com o pai?Mamãe está viva?
– Papai... – sua voz tornou-se melancólica e enfadonha – mamãe está viva?
– Ora, como se atreve a fazer uma pergunta dessas? – pela primeira vez, ao que sabia o garoto, ele largou o livro. Olhou nos olhos do filho e apontou o indicador esquerdo em direção de seu nariz, com um ar reprovador – nunca mais repita isso – falou em um tom encolerizado.
– Basta responder sim, ou não.
O homem olhou para o lado direito, esperando que algo acontecesse para interromper aquela cena entre os dois. Mas nada aconteceu.
Uma lágrima escorreu pelo seu rosto. E em choro abraçou o filho.
– Mas pai... – ele também começou a chorar.
Permaneceram naquele abraço, ambos com o rosto molhado de lágrimas. Compartilhavam do mesmo sentimento, do mesmo choro, como do mesmo ar.
– Então o que estamos indo fazer lá?
– Encontrar sua mãe. Ela está no topo.
– Então nós...
– Estamos indo para o topo.
– Para o topo – repetiu o filho.
Permaneceram abraçados durante o resto do dia. Eles nunca haviam sequer se tocado, por isso aquele momento era tão belo.
O trem continuou subindo, e subindo ao topo. Chegariam, um dia eles chegariam lá, ao topo. A música continuava, o trem continuava seu caminho, continuava.
Ao topo.

Contigo vou ser, vou viver

Não sei se são os meus olhos
Ou se são os teus
                               [olhos
Que brilham, quando nos vemos
Mas minha alegria
Aumenta a cada dia
Não sei o que temos
Mas eu te amo


A alma entende
Tanto como a mente
O meu amor por você
E o desejo ardente
De só te ver
E nos compreender

Vamos viver
Pois assim, jamais iremos morrer
Juntos, vamos viver
Eu e você
E a vida vencer
Porque contigo, é o meu ser 

Interrompendo a novela

– Vocês precisam acreditar em mim, por favor, acreditem.
Ali estava ele, defronte uma câmera, com um rosto de seriedade. Havia rendido os funcionários e agora estava transmitindo em rede nacional, interrompendo a novela das oito.
– É necessário fazer algo, acreditem em mim, acreditem.
Policiais entravam na sala de transmissão.
– Você está preso.
Enquanto os policiais algemavam-no, ele replicava.
            – Acreditem! Acreditem! É a última chance!
            – Vamos seu paranóico, cale a boca.
            Após vinte minutos a novela voltou a ser transmitida normalmente.
Na delegacia:
– Mas que história é essa de invadir uma rede televisiva nacional, em pleno horário nobre dizendo que o mundo vai acabar?
– Eu falo a verdade, acredite, é a verdade;
– Afinal, quem é você?
– Eu? Sou engenheiro físico-nuclear.Entendam bem, nós trabalhávamos em uma máquina do tempo, era secreto e...
– Cala a boca, seu maluco! – gritou o delegado, enquanto dava um soco na mesa.
– Eu não sou maluco.
– Cala a boca!
– Pronto, calei.
– Agora responda claramente qual eram suas intenções?
– Eu estou tentando impedir a construção da máquina do...
– Eu não quero saber de máquina do tempo! Eu acho que você é um terrorista?
– Hein? Eu... eu não sou terrorista – um pequeno sorriso surgiu no lado direito do rosto.
– Para mim você não mente seu, idiota.
– Eu não estou mentindo, e também não sou idiota. Olha eu vou falar...
– Cala a boca!
– Cale a boca você! Deixe-me falar. Meu nome é Sam Gordon Henkley, doutor em física-nuclear, chefe do projeto “stop clock” , onde há vinte e um anos tentávamos construir a máquina do tempo, e usávamos sub-partículas produzidas artificialmente e muito perigosas, principalmente táquions e átomos modificados. Há pouco nós conseguimos construí-la e todos os experimentos com objetos deram certos, e naquele dia iríamos fazer teste com humano e o humano era eu, era necessário usar bem mais átomos e partículas, afinal seria um humano. E tanta partícula junta, modificada artificialmente causou uma enorme explosão, e acredito que o único sobrevivente fui eu, quando saí da máquina todos estavam mortos, caídos no chão, vaguei por todos os lugares durante três meses, mas só via mortos, então entrei na máquina e voltei no tempo. Já é a terceira vez que tento salvar todos, mas sempre acaba comigo conversando com você aqui, e não sei como eu sobrevivo. E aqui estou.
– E supostamente, quando essa explosão irá ocorrer?
– Eu não sei mas...
Uma iluminação branca invadiu o local e após passar aquele branco, o corpo do delegado estava no chão.
Ele suspirou.
 – Vou ter que fazer tudo de novo.                             

Um cara inteligente

Deus era um cara inteligente
Com sua inteligência ele criou a gente
Teve paciência e fez isso tudo
Criou o silêncio, ficou mudo

Tamanha a solidão, parecia uma prisão
Apesar de todos os bichos, criou outro bicho
Mas esse tal, só fazia lixo
Era a sua semelhança, mas falava
Dele mantinha distância, mais se afastava

De tanto distanciar, cansou de criar
Fez só para ele outro mar
Olhando para cima o mar lá está

Assim separou, para ele o céu
Para o homem a terra fel
Mas sempre de olho ele olha para cá
E todos olham para lá

Ficou triste, vendo homens que se curvam
E fazem todo esse mal sem nada, em vão
Ficou feliz então, muito feliz
Pois alguns escutam o que ele diz

Está lá sentado no trono
Estamos cá, esperando no ponto

O começo do fim


     Dois anos depois.
     Um mais um diferente de dois.
     O mundo estava em caos.
     Tudo destruído.
     Aqui, habitavam todos maus.
     Por mim, já haveria ido.

     Guerra para todo lado.
     Metade da população mundial havia morrido. Tudo por causa da guerra.
     Apôs a confirmação de vida em outros planetas, apôs a criação de vida artificial. O socialismo havia destruído o capitalismo. O dinheiro já não existia mais. E por causa de uma tentativa (inútil) de unificar todos os países, a guerra começou.
    
     Caminhava na rua, como de costume. As pessoas andavam ao ar livre sempre com preocupação e expectativa, à espera de um ataque. Não se sabia como, nem quando começaria o ataque, mas uma hora começaria. E chegou a hora de começar.
     Ouviu-se o som dos caças, em meio a gritos todos correram. Metralhadoras atiravam – para que lado? –, via pessoas ao seu lado morrerem, o sangue respingava em seu rosto. Ficou paralisado, em estado de choque. Quando o corpo de uma grávida caiu em seus braços, tentou reavivá-la, mesmo vendo que estava sem a cabeça, tentou salvar o feto, mas nada pôde fazer.
     Correu, sem destino.
     A explosão ao seu lado jogou-o para longe, os gritos e tiros deram lugar a um zunido, imaginou ter ficado surdo. Levantou, continuou a correr ao lado de pessoas – logo mortas.
     Tiros.
     Mais tiros.
     Viu um bueiro. Tentou retirar a tampa.
     É muito pesada.
     Pôs a maior força que pôde, levantou um centímetro. Mais força. Levantou e a arrastou. Agora – onde antes havia um círculo de metal – havia um buraco, dele saiam odores, via a água imunda correr. Pulou dentro do buraco para salvar a vida.
     Uma hora, duas horas. Gritos, tiros, explosões. Três horas, quatro.
     Silêncio.
     Passaram-se oito horas.
     Ainda silêncio, barulho algum.
     Esperar mais uma hora, por precaução.
     Não havia tiros, nem gritos, ou bombas. Eles já foram, mataram todos. Completaram a missão: destruíram a cidade.
     Saiu do bueiro. Não via nada.      
     Vagava em meio a sangue e corpos, o cheiro quase insuportável de carne podre atacava seu nariz e olhos. Suas pernas lutavam para sustentá-lo. Pensava em suicídio, mas não podia fazer isso, tinha que lutar, algo dizia para viver, pois ainda chegaria onde queria. Queria chegar, lutaria para chegar, estava no caminho.
     Não havia água limpa (bebia água poluída), comida a única que tinha era carne humana apodrecida, essa era a alimentação de cada dia. A vida, um inferno.
     A morte talvez fosse péssima, mas seria impossível ser pior que a vida naquele momento.
     Um revólver na mão daquele soldado estendido no chão era sua chance.
     Pegou o revólver pôs abaixo o queixo, pensou um instante, pensou de novo e atirou. Sua respiração parou, seus olhos fecharam, seu corpo caiu para trás, ficou lá, estendido.
     Não saiu bala do cano, apenas clique. Sua vida não acabara ali. O tempo continuaria, a vida seguiria em frente. Ainda havia combustível para o carro da vida, fugitivo da morte.
                                                                                                                                     A morte.
                                                                                                                                       À vida.
     Ainda deitado no chão observava no céu aquele pombo solitário, o mesmo pombo que voava em bando, grunhindo, estava ali, solitário e em silêncio, como em luto.
     Dormiu.
     Acordou, levantou, continuou vagando. Tentou pensar.
     Havia um lado bom: já não havia corrupção, assaltantes, violência, já não havia civilização, apenas sangue e carne.
     Estava enjoado, dor em todo o corpo, feridas. Não tinha noção do tempo, quantos dias, semanas, meses ou horas.
     Na sua andança viu um soldado, fugiu.
     Mas ele não atirou, então talvez fosse amigo. Olhou para ele uma última vez, viu a bandeira de seu país – onde antes era sua pátria, sua nação, onde vivera toda sua vida, lugar de origem de sua família. O mesmo lugar antes amado, agora odiado, habitado por mortos e ódios.
     Ao vê-lo o soldado, sem pensar, soltou uma expressão.
     – A guerra acabou.
     Notícia perturbadora, vinda de um soldado.
     – A guerra acabou.
     A frase soava em seus ouvidos como música clássica e gritos enjoativos. Fazia ecoar um som dissonante. 
     – Acabou?
     – Sim, acabou.
     Desnorteado. Confuso. Alegre. Triste.
     – Há quanto tempo?
     – Duas semanas.
     Duas semanas.
     Dúvida.
     – Como?
     – Há duas semanas, a guerra acabou.
     Som dissonante.
     Duas semanas.
     Duas semanas!
     Duas semanas?
     DUAS SEMANAS.
     Durante todo esse tempo esteve “fora”, fugindo (de quê?).
     Pensava ter-se passado quatro dias, cinco dias, seis, no máximo. Mas eram duas semanas, duas semanas. Muito tempo era muito tempo para uma pessoa ficar andando entre carnes podres – outrora seres humanos com vida e alma, mas agora apenas comida –, dormindo sobre poças de sangue.
     – A guerra acabou – saltou de alegria e no impulso abraçou o soldado.
     Seu rosto estava coberto por felicidade, por dentes brilhando a luz do sol. Seus olhos, imersos em lágrimas, brilhavam. Emoção, muita emoção. Todos os sentimentos, sentia todos os sentimentos percorrerem o seu corpo imundo e ferido. Seu rosto barbado, confuso.
     – Meu Deus – levou a mão ao céu –, essa merda acabou.
     Abraçou novamente o soldado. O soldado contaminado com a alegria retribuiu o abraço, e também sorriu, gritou.
     – Eu não acredito, essa porra finalmente chegou ao fim.
     Gargalhadas alegres.
     O soldado levou-o a um carro, dirigiu por quilômetros à procura de sobreviventes vagos – como ele. Viram corpos de animais, de humanos, rios de sangue. Ainda podia ouvir os gritos, ver balas penetrando corações e cabeças, sentia náuseas. Sentia todas as balas penetrar seu corpo. Quilômetros de terror.
     Cadáveres ficaram para trás.
     A paisagem agora linda, árvores verdes, montanhas ao longe, recortando o céu, cobertas por nuvens. Ainda sentia o ódio e enjôo dos defuntos. Logo uma felicidade sobrepôs sentimentos amargos.
     A paisagem lembrava-lhe o fim do apocalipse que vivera. Sobrancelhas arqueadas, expressão de ódio deu lugar ao Sorriso.
     Viu borboletas voarem ao seu lado. Estava no paraíso. Agradecia por aquele revólver não ter disparado.
     – Vocês estão procurando por sobreviventes?
     O soldado fez sim com a cabeça.
     – Quando começaram as buscas?
     – Desde quando a guerra acabou.
     – E quantos sobreviventes vocês encontraram até agora?
     – Um. Apenas você. Você é o único sobrevivente dessa cidade.
     Chorou, sabendo ser o único sobrevivente. Significava que toda sua família morreu, todos. Ninguém sobreviveu.
     Nunca mais veria sua mãe, seu irmão, sua mulher. Lembrava da moça grávida que morreu em seus braços.
     Era muita carga emocional, por isso dormiu.
     Sonhou, sua família poderia estar viva, em outro país, eles podem ter fugido. Sim. Eles fugiram. Foi isso sim, sim foi isso.
     Noventa e sete quilômetros percorridos.
     Chegando ao quartel o soldado tentou acordá-lo, não acordou. Levou-o nos braços, pôs dentro de uma banheira. Abriu o chuveiro, deixou a água cair e tirar a sujeira.
     Acordou pela sensação de afogamento.
     – Aonde me trouxe?
     – Ao quartel, mas nós preferimos chamar de “comando desinfetante” – um sorriso singelo apareceu – Esse lugar foi projetado para fazer a “limpeza” dos sobreviventes. E acho melhor você tomar banho.
     – Onde?
     – O banheiro é ali – apontou para uma porta branca – Lá tem toalha e roupa.
     Foi até a porta, abriu, e tomou banho. Ao sair estava limpo, já não havia marca de sangue, ou qualquer outra sujeira, e já não sentia o cheiro da morte. Mas ainda tinha um ar de sujeira pela barba e cabelos crescidos.
     Cortou o cabelo, raspou a barba, seu rosto estava sem nenhum pelo – a não ser a sobrancelha. Voltara o ar de jovem, não era o mesmo velho sujo, representante do sofrimento e da morte.
     Apesar de estar limpo, seu corpo continuava esquelético. Não tinha rosto, e sim caveira. Sua pele estava seca. Bebeu dois litros de água, vomitou. Bebeu um copo de água, dessa vez não voltou.
     – Durante a guerra – começou o homem do exército – surgiu um novo vírus, criado pelos Estados Unidos, para destruir o inimigo. E esse vírus gerou uma doença, que virou pandemia, matando milhões de pessoas. Por isso eu vou ter que observá-lo para ver se está ou não contaminado.
     – Pode me observar.
     Os principais sintomas da doença eram olhos cor violeta, aparência esquelética, cabelos com duas cores, voz rouca, unhas rachadas.
     O homem do exército lembrou como era o cabelo antes de ser cortado (louro e castanho). Observou seus olhos cor de violeta. Pegou suas mãos e viu as unhas rachadas.
     – E então, eu estou com essa doença? – falou com a voz rouca.
     – Ainda não sei ao certo, vou tirar uma ultra-sonografia do seu corpo – caso na ultra-sonografia houvesse uma mancha no seu estômago, no seu cérebro, ou na sua perna, a doença seria confirmada.
     O raio-X mostrou manchas em seu cérebro, pernas e estômago.
     – O que a ultra-sonografia diz?
     – Está... Está tudo bem com você – falou vacilante. Estava mentindo, pois ele estava com a doença no quinto estágio, não havia cura a partir desse estágio, a não ser a morte.
     A noite caiu e eles foram dormir.
     Eu não posso matar ele, pensava o soldado, Eu não consigo, não tenho coragem.
     Mas ele tinha que matá-lo, ou ia morrer.
     Pegou o fuzil ao lado da cama, caminhou ao quarto do sobrevivente. Pôs a mão na maçaneta, preparou para abrir, parou.
     Eu não vou conseguir.
     O soldado, por mais frieza que demonstrasse, sentia pureza no homem e apegou-se a ele no instante momento que gargalhou junto a ele no momento em que o encontrou.
     Vou matá-lo.
     Não podia fazer isso, afinal ele agora era seu irmão, além de ser o único sobrevivente.
     Mas mataria.
     Abriu a porta, mirou na cabeça. O dedo indicador estava sobre o gatilho, bastava puxar.
     Não conseguia.
     O homem virou de lado.
     Estava pronto para atirar, atiraria.
     Soltou o gatilho. Uma lágrima saltou do olho, correu até seu pescoço.
     Continuou a apontar o fuzil até amanhecer.
     O homem, dormindo, sonhava com um quarto, onde na porta havia escrito: NUNCA ENTRE AQUI. Ele abriu, viu o sorriso, tão lindo sorriso, de sua mãe, estampado em um rosto sem corpo, viu a mão de seu pai, até escutar o grito de seu irmão: “sai daqui cara, por favor, sai daqui cara”.
     Acordou e deparou-se com uma arma à sua frente apontada para sua testa.
     – O que é isso?
     – Um fuzil. Eu vou te matar. – soou como brincadeira.
     – Mas por quê? – pôs a mão à frente o fuzil, cobrindo o rosto.
     – Você foi infectado, se eu não te matar, nós dois vamos morrer.
     – E se você estiver errado. Não pode me matar, afinal eu sou o único sobrevivente.
     – Qual o seu nome? – perguntou o soldado.
     – Meu nome? – excitou – É Caio.
     – Caio!? Esse nome vai ficar para a história, – sua voz embargou – se houver história.
     E atirou, o som da bala soou em seu ouvido como uma explosão, como o grito de sua mãe chamando-o para jantar. Ficou olhando para o fuzil como se fosse seu único companheiro, apareceu um modesto sorriso no seu rosto. Olhou para o homem – que ainda tinha o coração batendo e o sangue correndo em suas veias – e estendeu a mão, Carlos segurou-a firmemente, aquela era a mão salvadora.
     – Saia daqui, corra.
     – Não, eu não vou fazer isso, vou ficar aqui com você. Eu quero voltar... Voltar, - olhou para os pés e retornou o olhar – voltar para casa.
     – Casa? Não há mais casa. Acabou tudo, não existe mais nada. Tudo acabou.
     Foi como um tapa no rosto de Carlos. Finalmente havia percebido: não havia mais sentido em viver, o único sentido era morrer.
     – Não. Olha, talvez haja mais sobreviventes, e nós podemos, sei lá, recomeçar.
     Os olhos do soldado brilharam, aquilo era somente um sonho. Podia haver sobreviventes. Tudo recomeçaria. Do recomeço um mundo melhor, se todos sobreviventes fossem boas pessoas. Se quase tudo fora extinto, o mal também deveria ter sido extinto.
     Novamente abraçaram-se.

Você sem fim

Não quero entender
Não quero compreender
Talvez queira aprender
E só penso em você
Penso em quando vamos nos ver
E penso em tudo com você
Tudo que há para viver
Você é fantástica
Mais que incrível
Tão carismática
Amo você, mais que impossível
Já não tem beleza
Tem perpétua pureza
E estrondosa paz
Por isso eu posso amar
Por isso eu posso abraçar
Eu posso beijar
Mas nunca permitir terminar

O horror da beleza

     Era uma fábrica de cosméticos, evoluiu, tornou-se uma potência mundial, apenas vendendo beleza.
     Lá, naquela cidadezinha, foi onde a fábrica nasceu. Na cidade todos eram belos, impecáveis, ainda mais: intocáveis. Vaidade era palavra de ordem. Para onde se olhasse havia espelhos, maquiagens, pentes, escovas, roupas, enfim. Ninguém conversava, para que não estragassem a “beleza da boca”, apenas sorriam. Quase não andavam, pois tinham nojo do chão. E comer? Bem... Não comiam, alimentavam-se. Nada de gordura e carboidratos, apenas uma vez na semana, para manter-se vivo.
     Eram, praticamente, robôs da beleza, já não eram seres humanos, perderam toda a humanidade que podia haver dentro deles. O dinheiro que ganhavam era proveniente de comerciais gravados ali.
     E em doze de maio chegou um forasteiro, melhor: “O forasteiro”. Não tinha vaidade. Tinha pouquíssima beleza.
     Olhavam-no como olhavam para um monstro, não com o mesmo horror, ou espanto, mas com desprezo e reprovação.
     O primeiro dia foi inquietante, afinal, não conhecia a cidade, apenas por acaso foi parar lá. Não sabia o que dizer, até deu “bom dia” para alguns, mas estes retribuíam transformando o sorriso em um olhar de “quem é você?”.
     O segundo dia foi perturbador, sentiu-se como em outro planeta, onde não haveria humanos e ninguém falaria sua língua. Até tentou ligar para a mulher e dizê-la para não vir, pois já voltaria para junto de sua família. Mas o celular estava sem sinal.
     No terceiro dia o sol levantou sombrio, prometendo um péssimo dia, o cheiro do ar estava como o cheiro de cidade do faroeste. O olhar das pessoas fora substituído por um olhar de ódio. A sua mulher chegou com a filha. No caminho a pé até a casa, ela tentou ser simpática, não conseguiu com aqueles olhares odiosos.
     – Eles parecem uns zumbis.
     – Eu sei, tentei ligar para vocês, mas está sem sinal.
     – Pai, papai.
     – O quê?
     – Eles parecem não ter gostado da gente, eles me dão medo.
     – Tudo vai ficar bem, tudo.
     Dormiram.
     O quarto dia.
     O sol não raiou, acordou com o som de batidas nas portas.
     Ele foi olhar o que era, no caminho até a porta viu no relógio pendurado à parede que eram três da manhã. Olhou pela janela e viu, várias pessoas em frente sua casa, algumas tentavam derrubar a porta, as outras observavam, segurando facas.
     – Meu Deus – um suspiro de terror.
     Foi até o quarto.
     – Acorda amor.
     – O que é?
     – Acorda.
     – Mas ainda está madrugada.
     – Eles querem nos matar.
     Todo o terror que ele pôs na fala fora transmitido para o olhar da mulher.
     – Eles? Quem?
     – Os moradores desta cidade.
     Correram até o quarto da filha, e tiraram-na da cama.
     – Pai, mãe, o que é isso?
     – Calma. Tudo vai ficar bem, tudo.
     O som das batidas continuava.
     Esconderam-se dentro do enorme guarda- roupa que havia no sótão. Ouviram a porta cair no chão, então se encolheram e fizeram silêncio.
     Os passos eram firmes e vagarosos.
     Quando um deles entrou no sótão, o homem a mulher e a garota ficaram paralisadas, somente esperando aquele terror passar, mas não ia passar. Um dos moradores pôs fogo no sofá, e o fogo correu por toda casa, engolindo-a em uma velocidade horripilante. Nesse momento, restavam dentro da casa apenas a família e aquele que entrara no sótão, esse ardeu em chamas. A família então saiu do guarda-roupa e correu pelo labirinto de chamas a procura da saída. A única saída era uma janela, os três – em meio desespero – pularam, a mulher serviu de amortecedor na queda, ela morreu com o impacto e pressão, a garotinha quebrou a perna e o braço direitos, mas ele continuou intacto.
     Ao verem os moradores correram naquela direção. Ele levantou para correr, a filha segurou com a mão esquerda.
     – Papai, não me deixa aqui sozinha.
     – Desculpe filha, mas... Vai ficar tudo bem, tudo – correu.
     Enquanto alguns já desfaziam a menina em carne, outros corriam atrás dele.
     Continuou correndo, com o máximo de velocidade que podia, mas eles eram muitos e muito mais rápidos.
     – Por favor, não façam nada comigo, que mal fiz a vocês?
     Um arrancou seu olho esquerdo e comeu, outro cortou seu braço em três pedaços, comeu. Cortaram seus pés, suas orelhas. Ele continuava a gritar, quando puxaram sua língua e arrancaram-na, agora só gemia.
     A respiração ofegante continuava até mesmo sem metade do corpo.
     E um foi capaz de falar algo.
     Olhando profundamente nos olhos dele, com aqueles lindos olhos azuis, sussurrou serenamente:
     – Vai ficar tudo bem, tudo.
     

Vim,vi, vivi, fiz, venci

Foi vivendo que eu vi
Na vida desvivida
Vidrei e videei        
E por isso eu sei
Mesmo exposto na escuridão
Deixo a salvo o meu coração

sábado, 25 de junho de 2011

Um caso

Ele era médico-legista, quando pessoas morriam, era quem verificava o corpo e dizia qual a causa da morte de tal pessoa.
Tinha uma vida feliz, tinha uma esposa que o amava demais, mas seu amor era divido entre a sua esposa e uma jovem moça por quem havia se apaixonado e mantinha um caso secreto.
    
E mais um dia de trabalho começava, havia um corpo de uma mulher para ser verificado, disseram que havia morrido em um acidente de carro. Quando o corpo chegou, ele não viu um arranhão sequer em seu corpo. Então olhou para o rosto e ficou paralisado.
Não podia ser. Era ela, a moça com quem mantinha um caso. Suou frio, estava trêmulo. Por dentro crescia um enorme desespero e sentiu vontade de gritar, vomitar, mas não podia fazer isso naquele local.
Uma gota de lágrima escorreu pelo seu rosto, estava à beira de ter uma crise de choro, mas ele não podia chorar e essa foi a única, não podia mostrar que tinha ligação com aquela mulher, ninguém sabia.
Ela estava morta, a sua amante, morta. Agora restava apenas as lembranças de um amor.
Lembrou-se de quando eles passeavam na praça vizinha e comiam pipoca, como jovens namorados, ela sempre dizia: “Quando isso vai acabar? Quando você vai se separar da sua mulher e casar comigo?”, ele respondia: “Calma amor. Esse dia ainda vai chegar”.
     A mulher com quem ele pretendia se casar e viver pelo resto da vida estava morta. E agora? Justamente no dia que ele planejava contar para a sua mulher toda a verdade. O que seria dele?
     Mesmo muito abalado ele continuou a examinar o corpo. Ele alisou o seu corpo como alisava quando era vivo, mas agora ele estava alisando um defunto.
     A cada segundo uma lembrança martelava-lhe a cabeça. Eram muitas as lembranças, afinal foram sete anos. Sete anos que agora eram apenas lembranças. Agora o que será do seu futuro? Como ele poderia viver normalmente com sua mulher, carregando esse peso na consciência? Estava tudo acabado.
     Ao mesmo tempo ele sentia a dor de uma perda e o alívio de saber que jamais alguém descobriria o seu segredo.
     Ele já havia examinado o corpo e confirmou que ela havia morrido na verdade de ataque cardíaco enquanto dirigia e foi isso que provocou o acidente. Mas era impressionante como o corpo ficou intacto, sem nenhum arranhão. Mesmo morta ela continuava linda como antes.
     Mesmo após finalizar o exame ele continuou a olhá-la, contemplando sua beleza. Parecia até que estava dormindo, então ele a beijou e deixou-a dormindo em paz, seu sono profundo. Mas ele sabia que ela jamais acordaria daquele sono.
     Quem o amaria? Quem poderia amá-lo?
     Em sua mente era como se sua própria vida houvesse chegado ao fim, como se todos os planos houvessem falhado, como se ele mesmo estivesse naquela cama fria de metal.
      É claro, a sua mulher. Ainda havia a sua mulher que sempre o amara e nunca se cansara de demonstrar isso.
      Ao chegar em casa, a sua mulher, como de costume correu para abraçá-lo, ele a abraçou com toda a força, como se nunca mais fosse vê-la. Ele sussurrou em seu ouvido: “Eu te amo. Nunca vou te deixar, meu amor”, olhou em seus olhos, “Promete que nunca vai me deixar?”, ela respondeu: “É claro amor. Eu te amo e nunca vou te deixar. Nunca”, ele a beijou por todo o rosto.
     Agora ele havia voltado a amar apenas uma única mulher. Aquele era o seu amor, seu verdadeiro amor com quem havia se casado e viveria pelo resto da vida. E dessa vez em diante ele jamais amaria outra mulher, a não ser aquela com quem havia se casado.
     E ela dormia, dormia tranquilamente, ainda sonhava, como quando era jovem, com ele, seu amado, ainda tinha ou aqueles sonhos eróticos ou simplesmente uma lembrança pura dele, como uma foto, um vídeo. Ela o amava e sempre amaria, disso tinha certeza. E ela jamais saberia que ele nunca chegou a amá-la de verdade, a não ser quando se viu preso a morte de seu eterno amor e a tomou como única saída. Ela jamais saberia daquele seu outro caso, das noites que ele chegava mais tarde pois saía com a outra, a outra que morrera ainda ontem num acidente, um acidente que debalde foi anunciado ao meio-dia. A outra que antes, um imenso amor secreto, agora, apenas um caso.