quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

O fundo do poço

O fundo tão tanto quanto profundo em que perfeitamente me encaixo
é meu refúgio úmido e imundo, meu perfeito lugar,
meu lugar de não ser, não viver, não amar, não pensar.
Minha própria mão me aperta, me envolve, me arranha o coração,
meu coração me sufoca e me faz não parecer, me faz não fazer.
Eu tento em outro intento,
quero não repetir, não cair, não fingir, quero não querer.
Mas ainda assim continuo, influo e me fluo num fluxo indiferente,
um fluxo perturbado quer sempre me conturba os pensamentos,
que sempre me cria os pensamentos
e me faz sofrer na precariedade de escrever, na inutilidade de saber.
Permaneço na velha tentativa de reconhecer a antiga imagem enferrujada e inacabada,
a velha imagem (tentativa) de me ser através do vidro,
através do espelho repugnante que sempre me formou no futuro do antes,
da água poluída e indistinta, a água de meus fluidos a me afogar, a me perturbar,
a me forçar, a me pecar e me tentar.
Mas a música me ensurdece, o som me enfraquece,
o poema não me escreve, o dia não me nasce,
permito que cada palavra me rasgue e me lasque
como se a grama em que me deito fosse lascas a me perfurar, me amaldiçoar,
como se cada minha grama me fosse o peso mais pesado e mais torturante,
como se tudo nada me fosse,
como se a comida já nem fosse necessária, como uma piada hilária
na perdição de encontrar algo da maior utilidade na vida solitária,
como se cada nota fosse irrelevante, como se cada dor não fosse lancinante,
como se houvesse alguma outra nova esperança como as esperanças de nunca ter sido criança.
Então me busco nas buscas irracionais e imorais pelos caminhos mais banais.
Busco a não-resposta pelas coisas que nunca fui e nunca tive, nunca vivi.
Mas no fim encontro apenas a cela,
não há nada, não há ela.
Desencontro meu coração, reencontro a suja prisão, me perco em uma mesma visão
e permaneço, permaneço calado em meu pecado, mudado.
E tudo haveria se eu tivesse gritado, pedido ajuda, mesmo sabendo que nada nunca muda,
nada nunca é, nada nunca é nada, nada nunca é.
Eu penso, fico propenso a um outro final, um outro canal, menos noturno, mais matinal.

Me procuro nas fotografias, me procuro em algum recanto da poesia, procuro alegria
e só encontro a tristeza, só encontro a falta, a vontade de nunca existir.
Não há fotos, não há rostos, não há, não ar.
Eu me sinto, me aperto em meu cinto e saio para rua, saio à procura da lua,
não a vejo, não a encontro, me perco, me mudo, me tudo.
Caio para um lado, caio para o outro, me faço o pecado de não pecar,
preciso de resultado, o resultado que tanto me pedem, que tanto me fedem.
Eu quero um outro meu, quero ser teu, quero que me caia em cheio o céu,
quero me enfiar e parar de respirar, quero parar, parar, parar.
Me rapto num movimento rápido, capto as outras intitulações que nunca me couberam, nunca vieram.
Caminho a uma outra parada na eterna madrugada,
nado à outra margem, me banho com a vagem que me leva sempre à mesma viagem sem retorno,
sempre no mesmo forno, no mesmo fosso, no mesmo osso, o mesmo crime doloso
de ser.

E eu não entendo, não compreendo, nem mesmo vendo enxergo,
eu não sei o que é, não sei como é, não sei o quanto é, não te posso quando me der,
não te possuo quando me quiser, não estarei quando vier, não poderei quando puder.
E eu corro, corro morro acima, morro e morro.
Morro no frio gélido e incalculável, causado pelo vento incontrolável, pelo desejo inevitável.

Peço um pedaço de pão apenas, um pouco de teu coração, um aperto de mão.
Um beijo quente e irreverente, um beijo que seja o único dos beijos.
Um abraço entre teus braços, um abraço que me viva, um abraço forte, um abraço da morte


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