sábado, 15 de setembro de 2012

O sol e seu amor incondicional


É tremendo o desejo de sair, fugir, correr. O barulho das engrenagens misturado à música malfeita e entrecortada é um absurdo contraste quando se escuta as vozes desalinhadas, neuróticas, paranoicas. O motorista que desrespeita tudo, parece nem saber que existe algo mais além dele, parece não perceber a responsabilidade.
O cheiro me lembra coisa morta, podre, infectada com a mais pura sujeira. Tudo é infernal, a carne quente que roça na carne fétida, a mosca que pousa e brinca entre cabeças sem cabelos, cabelos despenteados. Mesmo a paisagem é repulsiva, os óculos e as janelas, manchadas de terra, de dia, de vida, tentam disfarçar o quadro naturalista e barroco que se estende para o mar e quase toca o sol. Preciso me espremer, empurrar, declarar licenças desatentas e desnecessárias. Quero não observar, mas não controlo meus olhos e vejo os meus pesadelos, minhas insônias, materializarem-se nas ruas. Salto o mais rápido possível, tento fugir de mim mesmo. Corro o máximo que minhas pernas já deixaram para depois saltar de novo e voltar a outro ambiente idêntico, infecto, sem lei, sem paz, nocivo à toda saúde. Volto a procurar um refúgio do sol, do cheiro de vômito e suor que impesta a cabeça de cada um. Tento esconder a mochila entre as pernas. Tento passar, com licença, por favor, com licença, desculpa. Ninguém ouve, só reclamam, reclamam da avidez imperceptível e incurável duma minoria deslocada.
Preciso correr, sentar, pensar, preciso parar. É alucinante, corro, busco mais um para me levar a lugar algum, o lugar em que me encontro todos os dias. E o sol me acompanha, me enlouquece, me chama e entre suas chamas me marca a pele num sinal de amizade. E as nuvens, com todo ciúme, tentam encobrir-me, mas ele continua a me seguir, continuar a me amar, como ama a todos.E continuo na viagem entre máquinas, desvio de carros, me perco no asfalto, passeio e me diverto com flerte arbóreos, o peso da mochila não me deixa voar, meu pensamento dança e se diverte com o vento insensato que me beija e me abraça com toda a paixão, a única paixão em que realmente confio e acredito.
Eu sigo, sempre com o desejo de saltar em outro ônibus e participar das danças ritualísticas obrigatórias a uma parcela, desbravadora, corajosa e forte, da sociedade a quem costumam chamar de passageiros (passageiros públicos, transeuntes, diluídos em adjetivos irreconhecíveis mas necessários).

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