domingo, 30 de setembro de 2012

Capacitação e combustão

Eu sei que gostas,
te carregas em minhas costas,
te calas com as palavras natimortas
e pedes os pés de ser, de ler e viver.
Tens em ti as marítimas costas,
sempre sem viver, só ler, só ser,
sempre em linhas próprias tortas

O gelo que és meu coração

De trás pra frente, de frente pra trás,
tudo tanto menos quanto mais,
todas as terras, todas as pás,
sem zelo, sem paz,
de gelo, ademais
vê-lo e sê-lo num mesmo frio
de querê-lo no grau mil

Me ensina, Gina

E geras em cada geração o que eras em teu estratagema,
gemes e sentes e giras em tua loucura numa fissura quase,
tão dura que te fazes outras faces em cada fase, 
para que passes e fales que em mim há um teu.

Então, minha menina, vem, dizes, Gina, cura minhas cicatrizes, me ensina
sejas todas minhas atrizes, me ensina a ser só teu, e, repentina,
faz do que só tu és capaz,
faz de mim teu único rapaz

sábado, 29 de setembro de 2012

Amor sem sal, desleal

Minha mente mente inconsequentemente e, invariavelmente,
faz surgir a mesma semente de cair sobre terra, de nascer serra,
de fazer ou morrer.

A carapuça de ursa é o que usas para suas duas faces capazes de azares,
mas só sabes dos ares que não são teus, os ares meus, do amor semi-deus

Dado marcado

Neste asfalto te falto o respeito e falo em teu peito
de todo amor computadorizado realizado num ato,
concretizado entre o mato.
E na marca do teu sapato há a cara dum outro rato
que te foi teu gato parametrizado num aparato menos real que o leal jurado por tua lealdade,
tua verdade que sempre foi vaidade de tua outra metade - eu

Confissão doutra confusão

Eu me sinto inseguro, caminhando entre muros,
penetro nos furos de dias puros.
E me perdi na pureza da tristeza diária e precária
em que nos vemos, em nos resolvemos, em que nos envolvemos.

Eu canto teu canto no nosso canto, tanto quanto cantas teu pranto,
eu mantenho teu manto em mim, com toda proteção de todo santo,
toco com o coração o violão oco de coco em coques como se cavalgasse em cavalos camuflados,
como como se fosse outra comida, como se fosse outra vida, como se fosse em outra medida.

Mas és tu quem me rege, quem norteia meu sul, quem me faz a paz sem mais, sem sais de mares.
Tu quem me fazes querer cantar e me perder em Caetano, cantando Buarque,
querendo que me marques, fazendo de nossos corpos nossos parques

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

O amargo trago vago

Eu me surjo nas palavras sujas de sua boca,
eu me sujo seja como for,
me perco na outra própria roupa,
me faço no me próprio amor.

Eu me faço num pedaço como aço em pé de aço,
eu me passo como em cada laço e desfaço todos os passos.

Eu vou em mim como sou,
eu voo sim
e assim, como comida, me estrago num outro trago, como as cinzas que eu trago,
os restos de mim, meu modesto fim

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Fragmento 3

É a mesma vida da vida que eu tenho,
tão desvivida e tão querida,
a vida sem amor, sem compaixão
que morreu na dor de meu coração.

A vida inesperada, tão insensata e ingrata,
a vida de cada coisa que fiz,
que quis, infeliz.

A vida que eu vivia e agora morre,
a vida que é morte.

A vida nua, crua, sem mim,
de fim, assim.

A vida que nunca foi minha,
a vida que nunca vivi
na vida em que morri

domingo, 23 de setembro de 2012

655321 - Vida dum ato só

Como se fosse tudo lembrança, eu tento reviver essas partes despedaçadas de um mesmo sonho, mas só tento. Porque as partes não parecem ter sentido ou elos, mas são de um mesmo único, sei que são. Eu morria toda semana, sempre no mesmo dia, no mesmo horário, sempre na mesma quarta-feira, sempre a mesma morte. E agora sou apenas um espectro do nada, um inútil a mais, algo que não vive, só existe. Algo que só existe nessa solidão do palco, essa solidão tão companheira e amiga. 
Não sei o que foi que me deu, só lembro do eco daqueles passos matinais que talvez nunca ouvi, esqueci do resto. Meu nome é como uma epigrama esquecido num canto, e por mais que eu force, ele não vem. Então tento falar pausadamente, quero que todos entendam, mas falo peremptoriamente – por causa do mundo, da sensação de ter emoção. Mas é sem movimento, sem fala, sem nada é que o teatro nasce, cresce e acontece.
Mas a primeira lembrança é a lembrança de amanhã, mesmo hoje sendo o dia antes de anteontem, posso ver aquela imagem distorcida e medrosa, aquele guarda-chuva vermelho. Não chovia, mas ele era como uma proteção do que poderia me atacar, os tantos demônios que sempre me atormentaram. Eu poderia falar de Deus, mas falo do inferno. Deus é um pouco demais, é pesado pra mim. Não sei se foi meu olfato que mudou, minha visão que distorceu o meu paladar, mas agora é tudo tão virtual, meu tato é tão natural, sem falar da audição, que, por escutar o tudo, não serve para nada. E meio esfumaçada há aquela imagem estranha – não sei se sou eu outra personagem qualquer. Isso agora já não tem importância, é tudo a mesma coisa. E assim foi que começou a história, confusa e sem nexo, até porque não fui eu quem criou a história, eu só conto, não faço, quem me dera fosse eu quem criou essa história, quem me dera eu fosse o escritor da minha vida... Eu só observo esses pontos vagos cheios de uma infinidade de possibilidades incertas, isso no tempo que havia tempo, pois agora o tempo parou e não há mais espaços, apenas alvitres recortados e rachados sob a memória. Então aquela personagem se pões a caminhar um início duma saga, uma longa viagem, dá os primeiros passos, aprende falar, conhece o primeiro amor... Ah!, Aquele amor. Era ela bela, perfeita, nós nos amávamos pra valer. Eu não sabia se era um amor inventado ou criado ou se realmente existia. Eu não sabia de nada, o importante é que era amor, mesmo que ela fosse somente ilusão. E nós brincávamos, dançávamos, cantávamos desafinadamente, mas cantávamos, olhávamos para tudo, apaixonados. Tudo isso foi rápido até que acordasse e percebesse ser aquilo só mais um sonho, mais uma história qualquer, uma história que me usou. Afinal é isso que a arte fez e faz comigo: Me usa. Eu mesmo não sei o que faço agora, só obedeço, só obedeço. É essa a arte que fala de amor, de sexo, guerra, violência, felicidade... E me faz sofrer, chorar. Até me fazia querer morrer quando eu ainda era vivo. Agora eu peço para ela me fazer viver. Ela não me escuta mais, não me usa mais, eu já não sirvo. “Não sou nada, nunca serei nada. Não posso querer ser nada”, Fernando Pessoa! Eu sou só uma peça que sobrou, invisível e insensível, só existe aí, na cabeça de vocês. Se não fossem esses seus cérebros maravilhosos, seus pensamentos, eu não estaria aqui, porque ninguém pensaria em mim, ninguém me veria assim.Mas em mim cabem todos os sonhos do mundo, “meu coração vagabundo quer guardar o mundo em mim”, Caetano! E se olho para o céu a noite não é para apreciar a lua ou as estrelas, mas para olhar para mim, tentar me entender, entender cada coisa que compõe todas as coisas.
É só mais um vértice da crônica rápida de minha... (não diria vida, porque aquilo não chamo de vida), diria busca. Sim, busca pelo nada, que perdi tanta coisa no inútil, naquele negócio de tentar fazer e ser, mas só saía o que não sei dizer nem escrever, o que só sei sentir. E eu sentia dores e sofrimentos, sentia tudo dos choros que ouvi de minha mãe, de meu pai, da dúvida de Deus, nas ruas e nos quartos, da dúvida de tudo, da falta de carinho, falta de amor. As guerras, os tiros, as drogas, as traições, o ódio; por isso de tudo acabei preferindo o nada e fui buscar a rosa, rosa perfeita nas próprias imperfeições, rosa onírica. E no caminho de encontrar algo mais e além encontrei a tristeza, conheci o que é tristeza de verdade, úmida e dolorosa, neste vazio chato, sem adjetivos, sem palavras. Eu pelo menos não sabia a ordem, se eram três, dois ou nada. Eu ia pensando e caminhando, quando cheguei lá e vi a rosa, a rosa de Alencar, de Drummond, de Zé Celso, quase chorei, mas não consegui chorar, tentei rir e só ouvi um grunhido. Foi quando o mundo me apareceu diante de minhas lentes e pude ver toda a multidão a me olhar, todos a me reprovar. Estendi o braço até a rosa, desentendi, quase a segurei. Então me senti caindo – do muito ao pouco –, permaneci com o braço estendido, a mão suada e trêmula a se erguer para o horizonte, pedindo socorro. Mas ninguém fazia nada, meus músculos doíam enquanto eu via cada um rir de mim ou chorar, mas não seguravam minha mão. E eu gritava, xingava. “Segura a minha mão, segura minha mão. Por favor! É só segurar. É só...”, então tudo escureceu, tudo desapareceu. E da escuridão me veio essa luz impiedosa que brota dos olhos de cada um de vocês e me obriga a confessar o que me aconteceu, me obriga a viver, mesmo que por um instante, na morte a vida que não lembro e depois voltar a morrer entre as vírgulas. Voltar para o mesmo lugar em que me encontrei e esqueci, o mesmo lugar que quis tantas vezes estar, o lugar de mim manchado com o beijo ensolarado e melado do vento imprevisível e incontrolável da vida. E justamente nessa parte me perguntam qual o porquê de viver, mas não quero, não posso, não respondo, só creio, recrio, faço acontecer a vida desvivida e personificada da máscara que criei na tentativa de dizer, ser, sempre no momento de não morrer. Dizem que existem pessoas que não merecem nem a si mesmas, acho que sou uma dessas pessoas
Mas cadê a poesia nessas horas, cadê teu mundo, Sofia? Está aqui! Sim, está aqui. Como? As palavras são fortes demais, elas me torturam, elas agora mostram... A rosa está aqui, está dentro de mim, a rosa nunca esteve distante, eu é que não percebi. [GARGALHA]. A rosa está aqui! Eu precisei morrer para perceber, mas agora vou voltar para o meu lugar. Vou renascer, reviver, reescrever a vida, vou ser feliz como só eu. Poderei voltar a sorrir de verdade, voltar a escutar o próprio grito. Poderei me ver no espelho, chorar para mim, correr e sentir o peito bater! Vou escutar meu coração novamente, escutar me chamarem pelo nome, abraçar e sentir o calor, suar. Poderei voltar a viver e repetir os mesmo verbos de sempre, tão novos e repetidos: sonhar, esboçar, caminhar, ganhar, perder, comer, depois correr, atuar, desenhar, parar, poder. Eu vou poder tanta coisa, vou fazer tanta coisa que mal posso esperar para voltar e nascer. Voltar, viver!
   

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

       Eu agradeço, me desculpo, peço licença, poucos ouvem, poucos respondem. Ao som da palavra Obrigado há quem forme uma expressão de perplexidade, como se fosse uma palavra de outro idioma, sem tradução. Caminho entre a indiferença de cada pessoa, entre os pensamentos ambulantes e aprisionados no desejo de acontecer. Eu vivo entre a fronteira de ser e fazer. Mas há uma fúria inebriante em mim, causada pelo patético dos ébrios que mal sabem o que são, causada pela ignorância quase disfarçada de cada olhar transeunte. Eu sinto náuseas, e não é somente a fumaça estrada descarregada pelos automóveis, mas também a respiração pesada e sem vida de todos os cidadãos ao meu redor que me causa essa sensação de tontura infinita.
       A buzina buzina, me perturba, me enche dum vazio que não entendo. O grito grita dentro de mim como se fosse eu mesmo quem gritasse. Eu tento ignorar tudo isso, mas esse seria o erro fatal. É esse o mesmo erro tão perfunctório dos parasitas mais desnecessários.
       E o cheiro cotidiano é a única coisa que posso guardar em mim para depois de todo depois, então eu guardo e continuo.

domingo, 16 de setembro de 2012

Nós e os lençóis

Neste momento, nesses movimentos,
nos unimos, nos consumimos.
Sinto o gosto da tua voz
em minha voz,
sinto tua maciez em minha 
frieza dura.
Rolamos, nos engolimos,
nos destruímos,
construímos um ser de dois
sobre essa cama,
cercada por chamas.
Tuas mão me prendem,
quase me sufocam
num alívio úmido 
de sentir o amor abstrato
concretizado num prazer,
desejando e apaixonando,
formando uma cerca.
Nossas palavras diluem-se,
misturam-se, infectam poemas.
E o teu peso sobre mim
me levanta, me acorda,
me torna a volver
teus olhos encharcados
de suor meu,
perdido num lugar distante,
em que num instante
pude sentir algo a me ferir.
Enquanto caio nos teus braços
sinto-me voando, flutuando,
boio neste nosso mar de vocábulos,
desesperados, inventados, desejados.
Formo-me em poucos muitos
para preencher-te,
para que te siga
entre nós, entre atos e ações
nessa dança, fundindo corações

sábado, 15 de setembro de 2012

A minha existência, indiferente a ti,
não me serve mais,
me atormenta.
Eu mesmo não caibo em mim,
eu mesmo sou mais do que eu,
por ser muito menos do que poderia ser.
Eu me confundo com as próprias palavras que também são tuas,
elas me arranham e deixam suas lágrimas marcadas em mim
As palavras escorreram pelo rio mais límpido,
se foram pelo caminho mais tortuoso e me deixaram sozinho, desolado.
Minha pele ainda está marcada pelas palavras dolorosas que nunca se controlaram.

Eu estou debruçado sobre mim mesmo,
minhas lágrimas congelaram e me cegaram,
eu estou fora de mim,
sou ainda menos eu mesmo.
Sou outro que nunca fui e sempre fugi,
sou outro que nunca precisei de mim
Não há mais porquê,
não há mais sobre o que escrever.
O amor se foi, partiu de mim,
o amor que talvez nunca existiu agora é certeza dum vazio,
um vazio obscuro com toda escuridão de meu coração.

Meu amor se foi de mim,
tudo se foi e caiu, como uma construção malfeita, sobre mim.

Tudo foi demolido numa explosão só, sem expressão, sem precisão

Algo vago

Algo que não entendo,
sempre o mesmo algo,
a mesma coisa sempre.
Eu ainda insisto em entendê-la só pelo prazer de sofrer,
ainda insisto em tentar saber só pelo prazer de não morrer.
Eu ainda tento as mesmas coisas diariamente,
e busco respostas, causas inconsequentes.
Eu busco uma nova busca,
para me machucar, me ferir, me arranhar
com todo tipo de coisa,
todo tipo de ferimento como lembrança de cada tormento,
semântica de cada pensamento irracional e reacional.

A reação das substâncias infectas,
a reação dos fatos inexatos relatados pelos olhos fatigados,
cansados de tanto horror, pesados com tanta sujeira
que carrego e carregarei pela vida inteira.

Por fim, enfim, no fim de tudo vem um fim sem fim,
algo que em mim faz todo sentido
mas não resume ou explica qualquer coisa.
Algo que só atrapalha, só confunde e retarda todas as ideias pretensiosas
(cheias da ânsia de acontecer, mas que nunca existiram)

O sol e seu amor incondicional


É tremendo o desejo de sair, fugir, correr. O barulho das engrenagens misturado à música malfeita e entrecortada é um absurdo contraste quando se escuta as vozes desalinhadas, neuróticas, paranoicas. O motorista que desrespeita tudo, parece nem saber que existe algo mais além dele, parece não perceber a responsabilidade.
O cheiro me lembra coisa morta, podre, infectada com a mais pura sujeira. Tudo é infernal, a carne quente que roça na carne fétida, a mosca que pousa e brinca entre cabeças sem cabelos, cabelos despenteados. Mesmo a paisagem é repulsiva, os óculos e as janelas, manchadas de terra, de dia, de vida, tentam disfarçar o quadro naturalista e barroco que se estende para o mar e quase toca o sol. Preciso me espremer, empurrar, declarar licenças desatentas e desnecessárias. Quero não observar, mas não controlo meus olhos e vejo os meus pesadelos, minhas insônias, materializarem-se nas ruas. Salto o mais rápido possível, tento fugir de mim mesmo. Corro o máximo que minhas pernas já deixaram para depois saltar de novo e voltar a outro ambiente idêntico, infecto, sem lei, sem paz, nocivo à toda saúde. Volto a procurar um refúgio do sol, do cheiro de vômito e suor que impesta a cabeça de cada um. Tento esconder a mochila entre as pernas. Tento passar, com licença, por favor, com licença, desculpa. Ninguém ouve, só reclamam, reclamam da avidez imperceptível e incurável duma minoria deslocada.
Preciso correr, sentar, pensar, preciso parar. É alucinante, corro, busco mais um para me levar a lugar algum, o lugar em que me encontro todos os dias. E o sol me acompanha, me enlouquece, me chama e entre suas chamas me marca a pele num sinal de amizade. E as nuvens, com todo ciúme, tentam encobrir-me, mas ele continua a me seguir, continuar a me amar, como ama a todos.E continuo na viagem entre máquinas, desvio de carros, me perco no asfalto, passeio e me diverto com flerte arbóreos, o peso da mochila não me deixa voar, meu pensamento dança e se diverte com o vento insensato que me beija e me abraça com toda a paixão, a única paixão em que realmente confio e acredito.
Eu sigo, sempre com o desejo de saltar em outro ônibus e participar das danças ritualísticas obrigatórias a uma parcela, desbravadora, corajosa e forte, da sociedade a quem costumam chamar de passageiros (passageiros públicos, transeuntes, diluídos em adjetivos irreconhecíveis mas necessários).

Não é busologia, é esporte


Pegar ônibus é um esporte, uma arte.
Digno-me a dizer que pratico tal esporte desde que me conheço como humano. Pulo, salto, corro, busco as letras, os números que identificam o destino quase inalcançável. É a maratona da vida diária. A maratona praticada inconscientemente ou mesmo indesejavelmente por milhares de fortalezenses. E não é algo que se aprende rapidamente, é preciso talento.
É preciso talento para correr, raciocinar em segundos, saber o que vai fazer, se esgueirar, driblar as barreiras invisíveis, tentar ultrapassar o túnel quase intransitável de pessoas. As pessoas: essa é a melhor parte. Pessoas fortes, vivas, coladas, suadas, gente que sabe para onde vai, gente que nem sabe onde está, gente que xinga ou agradece, que respeita, desrespeita e empurra, simplesmente gente - que, apesar de tudo, formam um corpo só naquela dança matinal quase obrigatória na esperança de repetir-se no fim do dia.
Não há esporte mais belo que pegar ônibus. Não há nada mais agraciador que conquistar a cadeira entre tantos outros que a almejam, isso depois de ter corrido, tropeçado, saltado e, enfim, pegado o ônibus.
É preciso artimanha, perspicácia.
E o motorista, o piloto, o quase aviador, o responsável pelas vidas, todas as vidas, todos os caminhos, todos os destinos, o responsável por tantas histórias, impensáveis e irrealizáveis se não fossem os caminhos tortuosos e desconhecidos, decididos pelo motorista.
Não sou otimista, não sou um sonhador, sou um vivedor. Não invento nada, nem sei como inventar, é tudo fruto do tempo, todo o tempo que dediquei a praticar tal atividade (artística e esportiva).
E sim, o ônibus é belo, aquela máquina gigantesca, com os milhões de parafusos que gemem, tremem na sinfonia do motor - o maestro primordial da música que não esqueço e quase me ensurdece no prazer das voltas, das curvas e dos freios bruscos, antes ou depois do choque mortal. Sim, é tudo por causa do destino, é isso que explica as voltas em torno do mesmo eixo, o vai e vem incansável; tudo só para chegar ao destino sem razão e sem precisão.

domingo, 9 de setembro de 2012

Ferrugem de pássaro

Moro nas gaiolas,
busco minhas asas para me aquecer (cortaram-nas).
Esqueci mesmo de voar,
esqueci de viver,
esqueci de ser quem eu deveria ser,
por isso busco, nesses choques cotidianos,
a explicação de tudo que me é inexplicável,
a razão de todos os números irracionais,
os meus números vitais e imortais.

Morro nas gaiolas,
busco minhas asas para voar (arrancaram-nas).
Me esqueci de comemorar,
me esqueci de respirar,
me esqueci de ver o que eu deveria ver,
por isso busco, nos ruídos corriqueiros,
o porquê dos porquês
ou o querer de viver sempre no mesmo ser,
os seres irresistíveis e insensíveis,
os meus seres invisíveis indestrutíveis.

O morro das gaiolas,
é onde eu busco minhas asas (que nunca tive).
Esqueci-me de buscar o que realmente é necessário,
esqueci-me de escapar as minhas armadilhas,
esqueci-me de me buscar
e me perdi,
por isso me confundo com as possibilidades
- o que eu fui, o que eu sou, o que eu serei, o que eu poderia ter sido -,
todos os poderes que eu poderia,
os meu poderes sem deveres e sem dizeres

Eu fujo de mim

Às vezes acho que sofro,
mas mal conheço o que é sofrimento,
mal sei o que é sofrer,
só tento viver e escrever.

Às vezes me parece que há uma ferida em mim,
uma ferida que arde sem porquê e sem fim.
Uma ferida como todas as feridas
que não localizo e sinto.

Às vezes eu morro nas minhas loucuras
em busca de uma outra vida mais entendida.
E só encontro uma vida desentendida e desmentida,
ainda mais confusa que todas outras vidas.

E é mais vivo que vivo nessas mortes diárias,
ainda menos eu a cada hora,
eu fora de mim
agora

domingo, 2 de setembro de 2012

Linhas desentendidas

                                                                                                                              É nessa saga de viagem
                                                                                                                            perdida que eu encontro
                                                                                                                          minha própria inexistência
                                                                                                                        tão insignificante
                                                                                                                      entre as loucuras e os sonhos
                                                                                                                   da cama suada, dos livros
                                                                                                                que não li enquanto folheava
                                                                                                              ou quando joguei tudo pela escada
                                                                                                           do pelos anuais em meses calados,
                                                                                                         meses egoístas e pedantes,
                                                                                                       meses letrais e cinematográficos,
                                                                                                     cheios de opiniões sem importância,
                                                                                                   ideias inúteis e ilimitadas
                                                                                                 sem criatividade, sem originalidade.
                                                                                                Frases das sobras computadorizadas,
                                                                                              romances de amores submissos,
                                                                                             a tristeza romântica,
                                                                                            insistente em todo organismo;
                                                                                          da tristeza nua, a tristeza por detrás do disco
                                                                                        melancólico e enferrujado de tantas lágrimas.
                                                                                      A tristeza obrigatório, a tristeza presente do futuro
                                                                                    que só recordo quando durmo
                                                                                   e só durmo no sonho triste
                                                                                 além dos limites da fronteira minha