sábado, 25 de junho de 2011

Um caso

Ele era médico-legista, quando pessoas morriam, era quem verificava o corpo e dizia qual a causa da morte de tal pessoa.
Tinha uma vida feliz, tinha uma esposa que o amava demais, mas seu amor era divido entre a sua esposa e uma jovem moça por quem havia se apaixonado e mantinha um caso secreto.
    
E mais um dia de trabalho começava, havia um corpo de uma mulher para ser verificado, disseram que havia morrido em um acidente de carro. Quando o corpo chegou, ele não viu um arranhão sequer em seu corpo. Então olhou para o rosto e ficou paralisado.
Não podia ser. Era ela, a moça com quem mantinha um caso. Suou frio, estava trêmulo. Por dentro crescia um enorme desespero e sentiu vontade de gritar, vomitar, mas não podia fazer isso naquele local.
Uma gota de lágrima escorreu pelo seu rosto, estava à beira de ter uma crise de choro, mas ele não podia chorar e essa foi a única, não podia mostrar que tinha ligação com aquela mulher, ninguém sabia.
Ela estava morta, a sua amante, morta. Agora restava apenas as lembranças de um amor.
Lembrou-se de quando eles passeavam na praça vizinha e comiam pipoca, como jovens namorados, ela sempre dizia: “Quando isso vai acabar? Quando você vai se separar da sua mulher e casar comigo?”, ele respondia: “Calma amor. Esse dia ainda vai chegar”.
     A mulher com quem ele pretendia se casar e viver pelo resto da vida estava morta. E agora? Justamente no dia que ele planejava contar para a sua mulher toda a verdade. O que seria dele?
     Mesmo muito abalado ele continuou a examinar o corpo. Ele alisou o seu corpo como alisava quando era vivo, mas agora ele estava alisando um defunto.
     A cada segundo uma lembrança martelava-lhe a cabeça. Eram muitas as lembranças, afinal foram sete anos. Sete anos que agora eram apenas lembranças. Agora o que será do seu futuro? Como ele poderia viver normalmente com sua mulher, carregando esse peso na consciência? Estava tudo acabado.
     Ao mesmo tempo ele sentia a dor de uma perda e o alívio de saber que jamais alguém descobriria o seu segredo.
     Ele já havia examinado o corpo e confirmou que ela havia morrido na verdade de ataque cardíaco enquanto dirigia e foi isso que provocou o acidente. Mas era impressionante como o corpo ficou intacto, sem nenhum arranhão. Mesmo morta ela continuava linda como antes.
     Mesmo após finalizar o exame ele continuou a olhá-la, contemplando sua beleza. Parecia até que estava dormindo, então ele a beijou e deixou-a dormindo em paz, seu sono profundo. Mas ele sabia que ela jamais acordaria daquele sono.
     Quem o amaria? Quem poderia amá-lo?
     Em sua mente era como se sua própria vida houvesse chegado ao fim, como se todos os planos houvessem falhado, como se ele mesmo estivesse naquela cama fria de metal.
      É claro, a sua mulher. Ainda havia a sua mulher que sempre o amara e nunca se cansara de demonstrar isso.
      Ao chegar em casa, a sua mulher, como de costume correu para abraçá-lo, ele a abraçou com toda a força, como se nunca mais fosse vê-la. Ele sussurrou em seu ouvido: “Eu te amo. Nunca vou te deixar, meu amor”, olhou em seus olhos, “Promete que nunca vai me deixar?”, ela respondeu: “É claro amor. Eu te amo e nunca vou te deixar. Nunca”, ele a beijou por todo o rosto.
     Agora ele havia voltado a amar apenas uma única mulher. Aquele era o seu amor, seu verdadeiro amor com quem havia se casado e viveria pelo resto da vida. E dessa vez em diante ele jamais amaria outra mulher, a não ser aquela com quem havia se casado.
     E ela dormia, dormia tranquilamente, ainda sonhava, como quando era jovem, com ele, seu amado, ainda tinha ou aqueles sonhos eróticos ou simplesmente uma lembrança pura dele, como uma foto, um vídeo. Ela o amava e sempre amaria, disso tinha certeza. E ela jamais saberia que ele nunca chegou a amá-la de verdade, a não ser quando se viu preso a morte de seu eterno amor e a tomou como única saída. Ela jamais saberia daquele seu outro caso, das noites que ele chegava mais tarde pois saía com a outra, a outra que morrera ainda ontem num acidente, um acidente que debalde foi anunciado ao meio-dia. A outra que antes, um imenso amor secreto, agora, apenas um caso.         
   

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