Era uma fábrica de cosméticos, evoluiu, tornou-se uma potência mundial, apenas vendendo beleza.
Lá, naquela cidadezinha, foi onde a fábrica nasceu. Na cidade todos eram belos, impecáveis, ainda mais: intocáveis. Vaidade era palavra de ordem. Para onde se olhasse havia espelhos, maquiagens, pentes, escovas, roupas, enfim. Ninguém conversava, para que não estragassem a “beleza da boca”, apenas sorriam. Quase não andavam, pois tinham nojo do chão. E comer? Bem... Não comiam, alimentavam-se. Nada de gordura e carboidratos, apenas uma vez na semana, para manter-se vivo.
Eram, praticamente, robôs da beleza, já não eram seres humanos, perderam toda a humanidade que podia haver dentro deles. O dinheiro que ganhavam era proveniente de comerciais gravados ali.
E em doze de maio chegou um forasteiro, melhor: “O forasteiro”. Não tinha vaidade. Tinha pouquíssima beleza.
Olhavam-no como olhavam para um monstro, não com o mesmo horror, ou espanto, mas com desprezo e reprovação.
O primeiro dia foi inquietante, afinal, não conhecia a cidade, apenas por acaso foi parar lá. Não sabia o que dizer, até deu “bom dia” para alguns, mas estes retribuíam transformando o sorriso em um olhar de “quem é você?”.
O segundo dia foi perturbador, sentiu-se como em outro planeta, onde não haveria humanos e ninguém falaria sua língua. Até tentou ligar para a mulher e dizê-la para não vir, pois já voltaria para junto de sua família. Mas o celular estava sem sinal.
No terceiro dia o sol levantou sombrio, prometendo um péssimo dia, o cheiro do ar estava como o cheiro de cidade do faroeste. O olhar das pessoas fora substituído por um olhar de ódio. A sua mulher chegou com a filha. No caminho a pé até a casa, ela tentou ser simpática, não conseguiu com aqueles olhares odiosos.
– Eles parecem uns zumbis.
– Eu sei, tentei ligar para vocês, mas está sem sinal.
– Pai, papai.
– O quê?
– Eles parecem não ter gostado da gente, eles me dão medo.
– Tudo vai ficar bem, tudo.
Dormiram.
O quarto dia.
O sol não raiou, acordou com o som de batidas nas portas.
Ele foi olhar o que era, no caminho até a porta viu no relógio pendurado à parede que eram três da manhã. Olhou pela janela e viu, várias pessoas em frente sua casa, algumas tentavam derrubar a porta, as outras observavam, segurando facas.
– Meu Deus – um suspiro de terror.
Foi até o quarto.
– Acorda amor.
– O que é?
– Acorda.
– Mas ainda está madrugada.
– Eles querem nos matar.
Todo o terror que ele pôs na fala fora transmitido para o olhar da mulher.
– Eles? Quem?
– Os moradores desta cidade.
Correram até o quarto da filha, e tiraram-na da cama.
– Pai, mãe, o que é isso?
– Calma. Tudo vai ficar bem, tudo.
O som das batidas continuava.
Esconderam-se dentro do enorme guarda- roupa que havia no sótão. Ouviram a porta cair no chão, então se encolheram e fizeram silêncio.
Os passos eram firmes e vagarosos.
Quando um deles entrou no sótão, o homem a mulher e a garota ficaram paralisadas, somente esperando aquele terror passar, mas não ia passar. Um dos moradores pôs fogo no sofá, e o fogo correu por toda casa, engolindo-a em uma velocidade horripilante. Nesse momento, restavam dentro da casa apenas a família e aquele que entrara no sótão, esse ardeu em chamas. A família então saiu do guarda-roupa e correu pelo labirinto de chamas a procura da saída. A única saída era uma janela, os três – em meio desespero – pularam, a mulher serviu de amortecedor na queda, ela morreu com o impacto e pressão, a garotinha quebrou a perna e o braço direitos, mas ele continuou intacto.
Ao verem os moradores correram naquela direção. Ele levantou para correr, a filha segurou com a mão esquerda.
– Papai, não me deixa aqui sozinha.
– Desculpe filha, mas... Vai ficar tudo bem, tudo – correu.
Enquanto alguns já desfaziam a menina em carne, outros corriam atrás dele.
Continuou correndo, com o máximo de velocidade que podia, mas eles eram muitos e muito mais rápidos.
– Por favor, não façam nada comigo, que mal fiz a vocês?
Um arrancou seu olho esquerdo e comeu, outro cortou seu braço em três pedaços, comeu. Cortaram seus pés, suas orelhas. Ele continuava a gritar, quando puxaram sua língua e arrancaram-na, agora só gemia.
A respiração ofegante continuava até mesmo sem metade do corpo.
E um foi capaz de falar algo.
Olhando profundamente nos olhos dele, com aqueles lindos olhos azuis, sussurrou serenamente:
– Vai ficar tudo bem, tudo.
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