segunda-feira, 16 de julho de 2012

Suruba onanista - Capítulo II, Meus Escorpiões


            Duas da manhã, estava bêbado – com duas camisinhas no bolso. A insônia estava agarrada a mim e gargalhava todo tipo de coisa sobre Geni e Carlos. Foi-se a madrugada, dei bom-dia ao sol antes de dormir. Dormi e acho que sonhei com algo, foi um sonho erótico com Geni, não lembro bem. Eram dez da manhã, a campainha gritava frenética. Eu mesmo não agüentava meu hálito, vomitei-o. Eu sei que você está aí. Era Geni: Já vou, amor. Gargarejei e engoli a água imunda de cerveja e sono. Quando abro a porta, ela – O que foi que te deu? Que história é essa de cuspir na cara do Carlos?. Sorri – O que é que ele estava fazendo lá? Aquele cara está sempre atrás de mim, pede pra ele parar. Como assim? Aquele é o trabalho dele! Os olhos dela brilhavam feito lua, o batom dela era vermelho pornográfico, seu hálito estava melhor que o meu. Geni, eu preciso de você de volta. Ela parou de resmungar. O quê? Não tem mais dinheiro para pagar as putas? – Não, eu te amo. Todas essas garotas não são nada, eu tento sentir nelas o mesmo que sentia em ti, mas... Minha boca foi atraída à dela, senti o cheiro de vermelho, ela não recuou. Puxei-a, afundei minha língua na dela, gosto de Colgate, de Geni. Eu pensei estar sonhando e parei. A porta estava fechada, ela ofegava. Não, não era sonho. Abracei-a quase a esmagando. Ela tentou me esmagar também – caímos no chão, passei os lábios pelo pescoço alvo antes de levantar-se e sussurrar um grito: Não há mais nós, eu amo o Carlos. Mas eu te amo, Geni! Eu sei, eu sei, mas você sabe que eu não posso voltar para aquilo tudo, eu não quero lembrar, apesar de continuar a te amar, então – por favor – me esqueça! Ela correu, não conseguiu abrir a porta, a maçaneta estava suja e lisa. Eu girei a maçaneta e escancarei o mundo lá de fora, vi uma lágrima lhe escorrer desde o olho até seu decote. Deixei a porta aberta, não havia mais porquê fechá-la. Agora poderia até me jogar pela janela, mas era um jeito muito idiota de se morrer.Os cigarros acabaram, fumei o ar urbano mesmo – não havia muita diferença, Num canto do quarto havia uma pilha de livros, meus livros (Sonhos Tardios); eles sim mereciam ser jogados pela janela – joguei uns cinco e fui tomar banho. Já pronto, saí. Talvez encontrasse algum destino pelo caminho.
            Lá fora quase anoitecia, meus pés estavam agora enfurnados na areia e o mar dançava só pra mim. Lembrei:
                                    “Já não há mar
                                      Se eu não te amar,
                                      Não há a vida sem minha querida,
                                      Não há nada
                                      Sem a minha amada”.
É um dos meus poemas de Sombras Tardias, o poema menos elogiado do livro. O celular toca, é Geni: Tem um homem aqui atrás de você, um tal de Dantas Alleri. Dantas Alleri, de cabelo branco e orelhas de lobo? Sim. É o editor-chefe da Alleri Editora – editora mais prestigiada do país. Disse para ele ir à sua casa. Ela desliga, volto correndo ao apartamento e chego em vinte e oito minutos, fico tonto e vomito o cansaço na privada, a descarga não está prestando, o banheiro cheira a fezes. Dantas me chama pelo nome pela porta aberta. Vou até ele, cumprimento-o como alguém respeitável. Você tem mais poemas como aqueles de Sombras Tardias? Tenho uns sete. Se você me entregar um livro de poesia até o final deste mês, nós o publicamos, mas queremos um sucesso tão grande quanto o seu livro de estréia. Não quer entrar? Não, obrigado, já vou. Até mais. Retribuo o sorriso sarcástico. Na TV não há nada além de nada. Ao som do noticiário tento escrever qualquer coisa, não lembro se sou destro ou canhoto. Rabisco qualquer coisa e aquilo fica parecendo com os cabelos de Geni. Penso em um poema, escrevo-o com a direita; outro poema, com a esquerda – mais outro com a esquerda. São dez agora. Durmo ali mesmo, sobre os livros empoeirados.
            Acordo com outro poema, jogo tudo para o papel, releio. Vou ao banheiro mijar, a descarga não funciona e aquela mistura continua lá. Volto a escrever outro poema de esquerda, seguido de um de direita. Escrevo mais muitos poemas. Preciso de um computador. Não sei que horas são, está quente, ainda estou com fome. São mais de vinte. Nenhum está tão bom quanto Sombras, saio para espairecer. Você que é o autor de Sombras Tardias? Sim. Me dá um autógrafo? As pessoas me reconhecem agora, me barbeei. Talvez até Geni me achasse bonito se me visse agora, sem aquela barba suja na cara. E ela está ali, sentada no banco. Geni! Não, não é ela. Onde está ela agora?
            Olhe, dona Geni disse que não queria mais o senhor aqui. Liga pra ela então, diz que é urgente. Dona Geni...? Fala que é sobre o livro. Um minuto e quarenta e dois segundos se passam. Pode subir. Obrigado. O elevador demora, ele fede a Carlos. Geni demora a abrir a porta depois que toco a campainha. Oi, Geni, o Carlos está aí? Não; vai, fala logo o que você quer. Não vai me convidar a entrar? O seu olhar pesa, ela hesita e abre a porta como um convite. Eu só vim dizer que preciso do teu amor de volta, só sei escrever com ele, sobre ele. Você é um poeta, é muito inteligente – não precisa de mim. Preciso. E aqueles prêmios todos? Minha poesia é tua, feita toda para ti. Por favor, só uma noite – é o bastante para escrever um livro. Não!; É melhor você ir, o Carlos deve chegar daqui a pouco. Que chegue então! Em alguns minutos eu já estava em casa, me masturbando – como se fosse Geni comigo. Com as mãos ainda sujas escrevi dois poemas e dormi. Eram sete e quarenta quando acordei com a mão esquerda ainda melada e grudenta de mim, lavei as mãos, escovei os dentes. Alô, Dantas? Sim. Estou com trinta e três poemas prontos. Traga-os.
            Ao final do dia recebo um telefonema do tradutor: Os poemas estão uma merda. Você tem outra chance. Só durmo e sonho com nada. Acordo com os tiros, morreram três moleques do morro. Seu João do bar também levou um tiro e está no hospital. Desço para ver se não levo um tiro também. Uma das garotas do bairro pergunta se não quero me divertir. Claro que sim, posso te chamar de Geni? Muito prazer, meu nome é Geni. Ela ria tanto quanto eu na cama. No escuro eu nem sabia o que beijava, se eram seus seios ou suas costas, sua boca ou sua vagina. Ela tinha uma voz doce. Geni? Sim, amor, estou aqui. Nos aprofundamos na gargalhada do outro. Ela já estava se arrumando para ir embora, paguei os cinqüenta reais. Você tem amigos? Acho que não, mas tenho camisinhas. Ela sorriu e falou com aquela voz doce: Tchau, amor. Tchau, Geni.
            Uma semana se passou e só o ponteiro do relógio se movia, eu continuei parado, consertei a descarga – o apartamento só cheirava a urina mesmo agora – e eu olhava o céu do meu apartamento.
            Estava lendo Alphonsus Guimaraens quando percebi que não fumava nem bebia há mais de um mês e alguém bateu à porta. Geni? Eu também preciso de você por uma noite, só por uma noite. Gargalhei estridente, mas parei quando vi os seus olhos marejados, ela sorriu e alisou meus cabelos como na nossa primeira vez e, como no primeiro beijo, ela me puxou e beijou minha bochecha antes de colar seus lábios nos meus, despimo-nos de tudo, de qualquer roupa e pensamento. E não foi uma transa como com todas outras, foi amor. Geni! Como só ela. Me lambuzei, nos lambuzamos e durante toda a noite apenas uma frase a cama escutou de Geni, entre os gemidos: Ainda te amo tanto. Apertei-a e senti seus peitos seios em meus peitos, senti sua língua percorrer pelo meu corpo, enquanto minha mão pousava naqueles cabelos castanhos e tão estranhos ao ponto de ser outra cor – quase a cor do pecado; penetramos em nós mesmos, nos descobrimos. Dormimos abraçados, quando acordei estava sem roupa e sem Geni. Escrevi sem roupa mesmo, foi um dia e meio somente de poesia. Tenho trinta e dois novos poemas. Essa é a sua última chance. Me visto, vou de moto-táxi à editora, enquanto subo as escadas um dos poemas me cai, pesco-o novamente. Amanhã ligamos... Fui ao bar, seu João ainda estava em repouso, quem atendeu foi seu filho Antônio – moço bonito e inteligente –, havia lido meu livro. Amei seu livro, você é um ótimo poeta, parabéns! Voltei a fumar e beber. Não me embebedei, voltei para casa sóbrio, no caminho tropecei no corpo de um velho. Às dez da manhã eu estava na farmácia, comprando caminhas, comprei algumas com gosto de morango. Alleri ligou: Próxima semana nós começamos a editar o livro.
                

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente, critique: