segunda-feira, 9 de julho de 2012

Dona Formosa

        Lindo, ele era lindo, perfeito. Nunca havia visto tão lindo como aquele, de um loiro magnífico, angelical. A luz parecia ser apenas vento diante o brilho daqueles fios.
        Todos os dias, no mesmo horário, no mesmo ônibus eu via aquele cabelo. A cada dia a paixão crescia, alimentada por aquele brilho. Mas jamais vi o rosto da dona formosa de cabelos tão sedosos, que nunca cheguei a tocar.
        Era um amor mais que platônico, afinal a paixão nasceu do cabelo - não havia nada que eu amasse mais que aquele cabelo.

        Havia uma mulher, não sei quem de não sei onde, que mandava cartas semanalmente a mim, descrevendo seu amor, dizia-se minha admiradora secreta. Não liguei para esse fato, pois nunca nada nem ninguém despertaria amor maior que o meu amor por aqueles sedosos fios.
        Ela estava lá, sentada no mesmo lugar - os cabelos eram jogados para trás pelo vento que entrava correndo pela janela. O assento ao seu lado estava vago. Pensei em sentar-me ali, mas senti um receio, um medo de descobrir o rosto por baixo daqueles cabelos. Sentei no assento anterior.
        O cheiro daqueles fios passava correndo pelo meu nariz, aquilo chegava a me dar um êxtase incomensurável, um prazer divino.
        Já estava perto o momento de ela descer do ônibus.  quando ela levantou deixou cair um pedaço de papel. A princípio hesitei em pegar o papel.
        Esperei.
        Involuntariamente aguachei-me e agarrei o papel, pus no bolso. Em casa olhei o papel e, para minha surpresa, naquele papel estavam desenhadas letras tais quais as letras das cartas enviadas pela "admiradora secreta", meus olhos brilharam, um brilho como o brilho daquele cabelo.
        Inesperado.
        Então ela também compartilhava da mesma paixão!
        Dia seguinte:
        Não a vi no ônibus..
        Outro dia:
        Ela não estava no ônibus.
        Dia após dia:
        Não via brilho nenhum parecido com o cabelo dela.
     
        Vendo a carta perdida percebi que no canto da folha havia o endereço da dona formosa.
        Enviei-lhe uma carta, descrevi todo o meu amor.
        No outro dia:
        Não a vi no ônibus.
        ...
        Sempre que olhava meu reflexo percebia algo de diferente em mim. Passadas três semanas observei meu cabelo diferenciar-se de si mesmo ao passar dos dias. Estavam ficando tão sedosos, tão brilhosos, de um brilho monumental e loiro augusto.
        O cabelo crescia mais rapidamente, enquanto eu continuava a mandar minhas cartas à ela.
        Levei muito tempo para perceber, mas finalmente percebi, que agora era eu a dona formosa.

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