Sentado em uma cadeira, olhando para dois portões separados por uma parede e cobertos por uma espécie de lona, impedindo a entrada de olhares transeuntes.
A mesma lona permitia-lhe ver apenas as pernas dos que passam, e as crianças – somente as crianças podiam ser vistas de corpo inteiro (se estivessem no chão).
Ouvia uma música.
Observava os passos apressados, os passos envelhecidos e vagarosos, os passos tranqüilos.
Pernas jovens, adultas, nervosas, violentas.
Sapatos pretos, azuis. Sandálias, chinelos, tênis, tamancos.
Brancos, negros.
Era engraçado como alguns casais tinham sintonia, passeando no mesmo ritmo, mesmo passo, escolhendo o mesmo lado.
Tão engraçado quanto, mas nem tanto, era como eram tratadas as crianças, seguradas pelos braços, puxadas, empurradas, e a forma como o olhavam.
Ele era como invisível e só as crianças o viam, elas ficavam a olhá-lo, paravam, seguravam na grade do portão. Ainda que os pais continuassem a puxá-las. Vamos, venha, venha logo, ou você vai apanhar. Elas continuavam segurando a grade.
E ele retribuía aquele corajoso gesto dos pequeninos com um sorriso, o mais belo que pudesse dar.
Voltava a ouvir a música.
Ainda pensando.
Os pais faziam aquilo, como para descontar a raiva que tinham, que sentiam de si mesmos, do mundo.E então, por isso, sentiam raiva dos filhos.
Os filhos eram algo que nunca devia ter acontecido, mas aconteceu. Pelo simples fato de que, em meio a chuvas de frases amorosas (calorosas), fizeram sexo. E por isso batiam nos filhos , como se tivessem culpa de ter nascido.
A música continuava. Ela não parava.
Ele não parava.
Viu mãos dadas e percebeu que as donas das mãos eram de seus pais.
Pai? Mãe?
Correu até o portão, agachou. Não, não eram seus pais. Por que voltariam agora, se já há seis anos haviam saído para passear e nunca mais voltara?
Voltou à cadeira e sentou.
A música continuou.
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