“Sou teu temor, a vingança de teus pecados, aquele que te fará chorar, gritar, espernear, vomitar”, a voz enraivecia-se paulatinamente .
“És tu, Javé?”
“Não, sou eu, tua irmã...”
“Sabata?”.
“Sim”.
“Mas como, vi-te morrendo diante de meus olhos, vi-te gritando, vomitando, sangrando”.
“Não me mataste”, a voz tornou-se violenta, “mataste Saba”.
“Saba? Mas...”, Nemrod engoliu o gemido, deixou escorrer uma lágrima.
“Engasga-te, pois mataste tua querida irmã, afrontou Javé”.
“Não!”, Nemrod tentou gritar, mas o tom foi de súplica.
“Chore, grite, esperneie, vomite; é tudo que farás, antes de veres aquela Babel em ruínas, destruída como Arac e afogada em sangue como Acad”.
“Não! Meu reino não! Imploro-te com sangue nos olhos, mas por favor não destrua-o”.
“Teu pedido anseia-me ainda mais a pôr fogo nas tuas capitais”
“Não!”, ele chorou, “Não!”, ele gritou, “Não”, ele esperneou, “Não”, ele vomitou ao som da gargalhada infernal, cortante, estridente. O vômito escorreu pelo seu corpo, caiu sobre as pedras, sangrou. Agora banhava-se em um misto de sangue, suor, vômito e lágrima. Rolava, esperneava, gritava. Gargalhava. Desmaiou de tanta dor.
Era isso que o futuro guardava para aquele rei, valente, ousado, bisneto de Noé. Valente caçador diante de Javé, assim era conhecido, assim era chamado. Capaz de matar um elefante, um tigre, um leão. Capaz de matar qualquer coisa, qualquer coisa – mesmo sua irmã. O sangue sua irmã nada lhe dizia, foi apenas um acidente, Sabata morrera por acidente. Havia apenas uma coisa da qual Nemrod não tinha certeza da mortalidade. E era essa coisa o seu desafio. Era o que provaria sua valentia. O que confirmaria sua valentia diante de Javé. Ele deveria matá-lo. Ordenou então a construção da torre. A torre deveria chegar ao topo do céu, deveria atingir Javé. Ninguém poderia saber do verdadeiro motivo daquela construção no meio de Babel, surgiram boatos. A torre ia ficando pronta, ele se aprontando. A torre cada vez mais perto, já furava as nuvens, formava estrelas. A torre não poderia ficar pronta, ele sabia. Mas estaria perto o bastante.
Começou sua escalada pela torre. Seus dias de caminhada vertical. Desconfiava que Javé desconfiasse. Continuou. Mais dias de cansaço. Era forte, valente. A construção não podia parar. Continuou. Chegou no topo, lá estava ele. Matou-o. Foi doloroso, complicado, difícil, mas arrancou-lhe o coração quase inexistente. Matou-o.
Desceu as escadas. Comeu a carne quase inexistente. Nadou no Geon. A fome consumia-o, procurava comida, não tinha, o rio era deserto. E foi no Geon que viu Sabata banhar-se. Aquela carne era o que precisava. Acidentalmente uma pedra partiu-lhe a cabeça. Acidentalmente ela sangrara. Acidentalmente ela morrera. Começou então a maldição de Nemrod. Começou o fim.
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